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O QUE VOCÊS NÃO SABEM

O QUE VOCÊS NÃO SABEM

Sobrevivi à escola. Com muitos ferimentos e cicatrizes. Juntamente com o serviço militar e a troca de fraldas carregadas, foi decerto a experiência mais traumatizante da minha vida. Supostamente era uma boa escola particular em Botafogo, mas estava longe disso. Havia, é claro, alguns bons professores e professoras. O professor de Matemática era competentíssimo, apaixonado por sua disciplina e pela sala de aula. O ótimo professor de Literatura sabia levar uma turma de adolescentes com um misto de rigor e bom humor. E mais um ou dois.

De uma maneira geral, todavia, o quadro era dramático. O professor de Ciências tinha trezentos anos de idade. Sua má vontade com os garotos era equivalente ao entusiasmo com as meninas. Seu cacoete era revirar os olhos, botar a língua para o lado e mordê-la, além de mudar a voz quando falava com uma das nossas colegas. Hoje em dia seria preso sem direito a fiança, a não ser que a ministra Carmem Lúcia votasse a seu favor.
Havia uma professora de História tão rígida que decerto sentia saudades da palmatória. Não podendo nos bater, exercia a tortura nos obrigando a decorar nomes de faraós, reis da França e quejandos. Não lembro de tê-la visto sorrir. Ironicamente, tinha nome de flor. O único sinal de vida que ela transmitia estava nos vestidos estampados e bastante curtos que não combinavam com seu estilo.

Mas a minha “preferida” era a professora de Português. Não era má pessoa, longe disso. Só que o seu mau humor era colossal. Sem nenhuma paciência para tentar nos ensinar Análise Sintática – no que lhe dou toda a razão – pedia tão simplesmente que lêssemos as definições: adjunto adnominal é… Depois perguntava, como num desafio:

– Alguém tem alguma dúvida?

E aí lá vinham o adjunto adverbial etc e tal. Era, sem dúvida, um método revolucionário de ensino.

Por falar em revolução, ela duvidava fortemente que fóssemos capazes de fazê-la. Seu argumento era poderosíssimo e fruto da experiência. Casada, ela tinha dois filhos, dois meninos. O mais jovem era o maior aprontador de confusão do colégio. Bom menino, apenas gostava de uma bagunça, nada sério, não batia ou machucava ninguém. O outro era meu colega de sala, o mais velho, mais tranquilo e, numa prova de que a genética é relativa, muito bem humorado.
Então façam as contas: ela sozinha contra o marido e dois garotos. Tentar educar três homens devia ser desesperador. Por isso ela sabia o que dizia quando apontava o dedo para os meninos da turma e decretava:

– Vocês querem fazer a revolução e não sabem nem levantar a tampa da privada!