PARECIA MAS NÃO ERA
Aquele primo começou a dar aula na universidade tão jovem, mas tão jovem, que ele mal se distinguia dos seus alunos. Naquele tempo havia o costume das aulas trote, pois o pessoal do curso de História se recusava a dar trotes humilhantes e ou físicos. Um dos alunos mais antigos, de preferência alguém com uma atitude já doutoral e uma voz possante, sem falar no senso de humor afiado, entrava em sala como se fosse um deus do Olimpo e começava a meter medo na calourada. Falava de quão difícil seria aquele curso e depois apresentava uma série de trabalhos que seriam desenvolvidos durante o semestre e uma bibliografia interminável onde havia títulos de mentirinha como A capital, de Carlos Marques. Depois de uma meia hora de terror, o cara se revelava, tudo acabava em gargalhada e pronto.
Acontece que o meu primo tinha a aparência, no máximo, de um aluno de 2o. ano. E ele lecionava História Antiga, uma disciplina do primeiro período. Às vezes quem dava a primeira aula aos calouros era ele, que não admitia que sua sagrada aulinha fosse usada como aula trote. Para piorar, ele também passava uma montanha de trabalhos, só que desta vez era a sério. Já viram, né?
Certa vez ele foi dar a primeira aula do semestre para uma turma de calouros. Começou todo sério, como aliás os veteranos faziam na aula trote e depois apresentou a lista interminável de deveres. Notou que desde que havia entrado em sala uma aluna havia olhado para ele com uma pergunta nos olhos: será que esse cara é professor mesmo? Não será uma aula trote? Como ele estava acostumado com aquilo, prosseguiu sem se preocupar. Mas à medida em que ia explicando como seria o curso, bem puxado, cheio de avaliações, resenhas, cronologias e outras coisas, a aluna da primeira fila ia abrindo um sorriso que parecia dizer: Você não me engana não. Meu primo começou a ficar um pouco incomodado com aquilo e para sanar quaisquer dúvidas, resolveu esclarecer:
– Olha só, eu sou bem jovem, coisa e tal, mas isso aqui é uma aula de verdade, não é uma aula trote
Foi o que bastou. A gente costuma ouvir o que quer e a tal aluna, que já suspeitava fortemente que aquilo só podia ser uma brincadeira, levantou-se quase às gargalhadas dizendo:
– Eu sabia! Eu sabia! Claro que é uma aula trote!
Parecia, mas não era. Para explicar é que foi uma África.
Para evitar cenas assim, meu primo deixou crescer uma barba malfeita, caprichou nos óculos e na pose professoral. Os alunos dos semestres seguintes devem ter pensado:
– Poxa, o disfarce desse aí tá bom pra caramba!