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PEDAGOGIA DA BATUCADA

PEDAGOGIA DA BATUCADA

Por um motivo que não vale mencionar, nos meus primeiros dez anos como professor sempre era escalado para 6a. feira à noite. Meus alunos eram universitários por volta dos vinte anos, para os quais este dia e horário eram uma instituição sagrada, hora da cerveja, da brincadeira, da paquera. O resultado é que a aula na fronteira do fim de semana tinha sempre menos alunos do que a aula da 4a. feira.

O professor se adaptou a essa realidade com a seguinte estratégia: a aula de 4a. feira era reservada aos conteúdos fundamentais, mais importantes, inescapáveis. A aula de 6a. era uma aula mais agitada, com mais recursos didáticos (músicas, por exemplo), voltada para uma participação mais intensa dos estudantes para que eles se esquecessem de que não deveriam estar ali.

O arranjo parecia estar dando certo até uma noite de 6a. em que o tema era os poemas homéricos, paixão do aprendiz de professor. Ele estava bem entusiasmado quando faltou luz. Isso não o impediu de continuar, com a voz ainda mais exaltada, confiando no valor do tema. Até que lá embaixo se ouviu o som inconfundível de uma batucada. Não uma batucada qualquer, mas uma batucada tipo escola de samba.

E agora? O menino de vinte e poucos anos não se deteve, começou a explorar a questão do ritmo nos poemas homéricos, lembrando que Homero cantou os poemas, que somente séculos depois foram colocados por escrito. Claro que depois de alguns minutos ele viu esgotarem-se as relações possíveis, pelo menos as que ele conseguia ver. E encerrou a aula.

Nunca li um só livro de pedagogia. O princípio que me guia é simples: ao contrário do que a tradição cristã prega, de que somente se aprende pelo sofrimento, mesmo quando ainda era um professor de calças curtas já achava que o prazer é essencial à aprendizagem e a aprendizagem é uma forma elevadíssima de prazer.

Mais do que um professor caxias disposto a resistir a tudo para dar sua aula, creio que a turma daquela noite aprendeu que existem várias formas de prazer. E que o professor deve estar disposto a buscar o prazer, seu e da turma, mesmo e talvez sobretudo diante de circunstâncias inesperadas.

Foi isso o que aquela batucada da 6a. à noite me ensinou.