O colégio onde fiz a maior parte da minha formação escolar era curioso e interessante. O nome, Brasil-América, evocava a utopia de uma relação equilibrada e positiva com a terra de Tio Sam. Todos os dias, antes da aula nós cantavamos o hino a celebrar essa amizade que nunca se realizou plenamente. Ao menos não era uma escola religiosa, católica ou protestante. Eu viera de uma escola de freiras muito boa, com instalações excelentes, mas muito rígida. O Brasil-América, com sua baguncinha, de início me pareceu o Paraíso. Havia também muitos alunos judeus por ser uma boa escola laica e essa diversidade era bacana.
Tentando analisar o que aconteceu há mais de quarenta anos, acho que naquele momento nossa escola estava em crise. O Brasil-América era ligado a um curso vestibular famoso, mas decadente, o Vetor. A escola tinha alguns professores excelentes e outros que claramente estavam ali por falta de coisa melhor. Havia alguns professores muito jovens, iniciantes, o que era bom e ruim. Lembro de um professor de Física alucinado, alto e espigado, que viajava no meio da aula contando teorias físicas absolutamente incríveis mas também incompreensíveis para nós. Foi ele que nos ensinou os rudimentos de informática, na década de 70, onde os computadores ainda ocupavam andares inteiros. Este professor era inteligentíssimo e interessado, só não sabia se comunicar conosco.
Caso completamente diferente era o nosso professor de Biologia. Barba cerrada e olhos gentis, ele sabia dar aula para aquela inquieta turma de adolescentes. À época devíamos ter uns 13 anos. Depois de dar conta de coisas como ribossomo, lisossomo, mitocôndrias e o diabo a quatro, ele dava uma parada na aula. E aí, com uma compaixão imensa, mas com um tom informal e engraçado, ele nos falava do amor. Do amor em sua expressão física, carnal.
O mundo dos meninos, o único que eu conhecia e onde infelizmente era obrigado a viver, vivia em ebulição. Havia aqueles que diziam já ter – na expressão nativa da época – comido alguém. Não só contavam tudo em detalhes, mas interrogavam os que eles achavam que não haviam ainda cruzado a soleira do Paraíso. Eu vivia desesperado, minha puberdade estava atrasada e como as falas eram fragmentárias, eu não tinha a menor ideia de como eram as coisas. Meu pai não tolerava conversas desse tipo, falar com a mãe me parecia abominável. Lá vivia eu sofrendo gozação – hoje se chama bullying – o dia inteiro:
– Alvito, você é virgem, não é? Claro que é! Tenho uma amiga mais velha que adora transar com menino virgem.
O nome desse torturador em botão era Ronald, não vou esquecer do nome dele.
Foi aí que apareceu o professor de Biologia, explicando tudo com clareza e, principalmente, naturalidade. Falava de sexo e amor como sendo inseparáveis, sem moralizar. Nos ensinava a cuidar não somente do nosso prazer, mas também do prazer das nossas parceiras. Fomos apresentados ao clitóris, ao ritmo de excitação e gozo diferenciado de homens e mulheres, bem como a métodos de prevenção de gravidez e doenças. Hoje, parece uma banalidade. Lá por volta de 1972-3, em plena Ditadura Militar, era uma revolução.
Lembro até da sala em que tínhamos aula com ele, a última do segundo andar, já debruçada sobre a rua. Apropriado, porque aquele professor nos preparou para cair no mundo feito Che Guevara (perdoem a brincadeira), endurecendo mas sem perder a ternura.