/(quase) Entrando em cana nos Estados Unidos

(quase) Entrando em cana nos Estados Unidos

Há um provérbio árabe que compara a palavra a uma bala de fuzil, uma vez desferida ela não volta mais.

Se a língua fosse um gatilho, eu seria um dos pistoleiros mais rápidos do oeste.

Perco a conta do número de vezes em que ela driblou o meu cérebro e saiu falando o que queria. Isso às vezes pode ser bom em uma discussão acalorada ou talvez num bate-papo descontraído entre amigos, contando piadas e fazendo graça. Mas não é nada saudável ao discutir uma relação, por exemplo. Há que pesar cada palavra, porque elas ferem feito balas de fuzil. E deixam cicatrizes.

Mas uma situação em que quase nunca consigo me controlar é diante de autoridades ou de pessoas que, feito muitos dos meus ex-colegas na universidade, pensam que o são. Aí o esporte de falar sem pensar com calma pode ser bastante perigoso. Foi assim que eu quase fui preso nos Estados Unidos.

Haviam se passado apenas alguns meses do terrível atentado às Torres Gêmeas. Os Estados Unidos tinham implementado uma série de medidas adicionais de segurança, hoje incorporadas à rotina dos aeroportos. Mas que à época ainda eram novidade. Eu estava viajando com uma namorada para Washington D.C., feliz da vida, com a viagem e por estar apaixonado, esse estado em que as laranjas são mais doces e o céu mais azul.

Pois bem. Foi nesse estado de espírito, alegre ao pisar em solo depois de um longo vôo, que eu me deparei com uma imensa (em todos os sentidos, pra cima, pra baixo e para os lados) policial, armada com pistola, algemas, walkie talkie e principalmente uma cara de poucos amigos. Foi aí que ela rosnou sem ao menos dizer bom dia:

– Tire os sapatos

Eu não disse nada, juro. Mas minha língua, essa brincalhona contumaz, respondeu na forma de pergunta:

– A senhora vai me dar uma massagem nos pés?

Deu para sentir o peso do olhar da policial, que felizmente não disse nada, muito menos “O senhor está preso por desacato à autoridade!”. Abaixei a cabeça e comecei a tirar o meu sapato humildemente, bem devagarinho, esperando até ela sair de perto para eu poder novamente erguer o pescoço.

Aquela foi por pouco.