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SAMBA 911

SAMBA 911

Ligar ou não para o 911? Afinal era a vida de uma criança que podia estar em jogo…

Como me meti nessa? Eu conto.

Era casado e ela tinha família nos Estados Unidos: mãe, pai e dois irmãos. Um deles era solteiro, mas o outro irmão tinha dois filhos, um menino e uma menina, que deviam ter, respectivamente, 4 e 2 anos. Umas gracinhas. Muito alegres, sorridentes e bem comportados, embora muito ativos como é comum nas crianças dessa idade. O menino, de cabelos curtos meio Paul MacCartney. A menina de cabelos lisos e ruivos.

Eu e ela nos oferecemos para tomar conta das crianças por uma noite, para que o irmão e a cunhada dela pudessem ir ao cinema. Os pais toparam, mas com certa relutância, não sabiam se iríamos dar conta ou não. Eu aleguei já ter experiência, afinal era pai do Heitor, coisa e tal. Então tudo bem. Lá foram eles para o cinema e nos deixaram com seus tesouros.

Minha dificuldade para tomar conta de crianças deve-se a um motivo pouco usual, percebido certa vez por uma sogra que tive e que era famosa por suas frases precisas e cortantes:
– Ao invés de acalmar, você agita ainda mais as crianças.
Sempre foi assim. Acho que é a criança que carrego no peito que se alegra e quer brincar também. Só sei que logo está tudo uma zorra. Naquele dia não foi diferente. Quando os dois irmãos viram que a bagunça era mais do que permitida, mandaram brasa. E foi um tal de saltar da poltrona para o sofá, do sofá para o chão, gritar, rolar no chão…

O tio aqui estava adorando. Até que a menina, logo a menorzinha, mergulha do sofá bem de cabeça, como se o chão fosse uma piscina, só que não era. O choro que se seguiu era indescritível. Ela não estava sangrando, mas parecia estar sofrendo uma dor intensa. Como é comum em crianças pequenas, às vezes é mais o susto do que a dor. Mas como saber? Ligamos logo para os pais.

Em seguida, ficamos debatendo se ligávamos para o famoso 911, o serviço de emergência. Eu pedi para tentar um último recurso. Tomei a pequenina nos braços e comecei a cantar um samba. Mais precisamente “Alvorada”, de Cartola, como se fosse música de ninar. Em meio minuto ela já havia se acalmado e parado de chorar. Já diziam os gregos que a necessidade é a mãe da invenção.

Fiquei tão impressionado com aquilo que tomei uma resolução, devidamente cumprida. Quando nossa filha nasceu, a primeira coisa que fiz ao tê-la nos braços foi cantar “Alvorada”. E muitas vezes ela foi embalada até dormir com este e outros sambas. Quando eu a levava até a creche, ia pela rua cantando uns sambinhas com ela, que aprendeu a fazer o coro em algumas músicas de Wilson Batista. Do tipo:

“Aquele mundo de zinco,
Que é Mangueira,
Desperta com o apito do trem…”

E aí ela fazia animada: “Piuuuuí…”

Mas nenhuma música, na minha experiência, tem tanto poder de acalmar uma criança como “Alvorada”, que além de toda a sua beleza tem versos bem apropriados:

“Ninguém chora,
Não há tristeza,
Ninguém sente dissabor.”