“Para completar o quadro [destruição do pico do Cauê, queda do sino Elias e tombamento parcial, seguido de apressada demolição das torres e do telhado da Matriz do Rosário em 1970], a Fazenda do Pontal, muito possivelmente a referência para o poema em que ‘o menino entre mangueiras/ lia a história de Robinson Crusoé,/ comprida histó
37: – ria que não acaba mais’, foi convertida pela atual companhia Vale num depósito de rejeitos da mineração, que só se pode avistar à distância, do alto de um morro para onde a antiga casa-sed foi transposta, numa manobra mirabolante de compensação museológica que é ao mesmo tempo um feito de engenharia e o belvedere da ruína, pretendendo apresentar-se como aprazível ponto turístico-literário no museu do mundo. Tudo somado, o conjunto formado por pico, matriz, sino e fazenda, espectros em torno de um casarão estranhamente incólume e crivado de lembranças, acaba por compor um cenário de devastação em escala de land art, alegórico malgrado ele mesmo, com a montanha virada do avesso na forma de um sino descomunal, arruinado e de ponta-cabeça.”
(pp. 36-37)