“Já a matéria primeira da imaginação, sem a qual as outras instâncias poéticas simplesmente não andariam, envolve o modo como o pico do Cauê se faz objeto das associações afetivas intensas e duradouras que alimentam a lírica, vindas da infância, em certa medida anteriores ao próprio eu consciente, suspendendo o tempo cronológico e se tornando a matriz de fluxos e a mina de continuidade que desponta e retorna em toda parte a que se vá: ‘De longe nos revela o perfil grave./ A cada volta de caminho aponta/ uma forma de ser, em ferro, eterna,/ e sopra eternidade na fluência’. Se no início do poema a montanha é dita como pertencente ao sujeito enquanto membro do clã dos Andrades, de cuja sacada senhorial ela é nomeada como ‘minha serra’, na sequência ela passa a ser também a experiência singular do sujeito poético, multiplicadora de experiências ressonantes, imagem modular confirmada como ponto de referência a cada volta dos caminhos (‘pedra luzente/ […]/ pedra pontuda/ pedra falante/ pedra pesante/ por toda a vida’, como diz outro poema já citado). Se, em outros poemas, o sino da igreja do Rosário aparece como a referência-matriz do tempo, o pico é assumido aqui como o paradigma de orientação na ‘imagem ambiental’ do lugar, baliza daquele espaço e de todos os espaços, como forma-matriz das formas durativas de ser, que se oferece ao sujeito como um princípio de identificação.”