“não é sem motivação biográfica que sinos repercutam pela obra poética de Drummond, quando entendemos que o da Matriz do Rosário ficava tão rente à casa familiar que suas batidas deviam reverberar nos alicerces e nos gonzos da vigília e do sono. A poesia tardia de Drummond realçará a ressonância infindável dessa badalada: ‘Impossível dormir, se não a escuto’, impossível ‘ficar acordado, sem sua batida’, e ‘existir , se ela emudece’: ‘Cada hora é fixada no ar, na alma,/ continua sonhando na surdez./ […] Imenso/ no pulso/ este relógio vai comigo’. Numa crônica de 1970, ele avalia o poder encantatório da combinação fusional de sino com relógio que se projetava da torre esquerda da Matriz, e que dava ao tempo cronológico uma dimensão reverberante, expandida, entranhada:
‘era um sino que soava longe, como o relógio da fachada era um relógio que dominava todas as horas: no friozinho do amanhecer, na preguiça da tarde, no tecido confuso da noite. Horas especiais saíam dele, nítidas, severas, ordenando o trabalho de cada um, a reza de cada um. No silêncio absoluto, quando pessoas e animais pareciam mortos, tinha-se a consciência da vida, porque o relógio avisava e repetia o aviso.”