“Ao lado de constituir-se numa referência filosófica sobre a experiência do tempo liberado da mensuração, o sino em Drummond vem a ser um elemento concreto da história material rente ao corpo: é o próprio objeto sonante que está ali, contíguo e associado à casa da infância remota, inscrito na memória mais recôndita como um vizinho portentoso badalando dentro, ao infinito, as ressonâncias daquilo que não cessa. Não à toa, Walter Benjamin comenta que a experiência da durée bergsoniana é mais própria dos poetas que dos filósofos (somos levados a pensar que ‘somente o poeta pode ser o sujeito adequado de uma experiência similar’), e que foi um romancista-poeta, Marcel Proust, que a levou a suas consequências maiores, na busca da produção artificial (isto é, literária) da ‘memória involuntária’ como via régia de acesso à experiência do tempo perdido e redescoberto, em condições sociais modernas, nas quais não se pode mais contar ‘com sua gênese espontânea’ (bombardeados que somos por uma bateria de estímulos e choques que nos induzem a desenvolver uma espécie de couraça psíquica).”
(pp. 32-33)