SENTIMENTO DO MUNDO – O processo de apropriação-destruição e o poema “A montanha pulverizada”
“Durante o processo, a força e as potencialidades difusas do nicho provinciano, concentradas em bloco num maciço de ferro cheio de reverberações arcaicas e imaginado como imóvel e inesgotável, vêm a ser capitalizadas, isto é, apropriadas, dinamitadas, britadas, processadas e dissipadas pelo mundo. Tais operações, tidas como naturais do ponto de vista da mercadologia universal, tomadas como razão de ser em si mesmas, e sem contemplação alguma para com as consequências de outra ordem, têm o poder de alterar radicalmente a natureza da matéria e do patrimônio imaterial sobre os quais agem. Pois o pico do Cauê transita, com uma lentidão que não deixa de ser vertiginosa, e com um efeito final acachapante, entre ser matéria primal da história da localidade, matéria primeira da imaginação poética e matéria-prima da indústria pesada em larga escala.
Esses três estados podem ser identificados ao longo do já citado poema ‘A montanha pulverizada’:
Chego à sacada e vejo a minha serra,
a serra de meu pai e meu avô,
de todos os Andrades que passaram
e passarão, a serra que não passa.
Era coisa de índios e a tomamos
para enfeitar e presidir a vida
neste vale soturno onde a riqueza
maior é a sua vista a contemplá-la.
41: De longe nos revela o perfil grave.
A cada volta de caminho aponta
uma forma de ser, em ferro, eterna,
e sopra eternidade na fluência.
Esta manhã acordo e não a encontro,
britada em bilhões de lascas,
deslizando em correia transportadora
entupindo 150 vagões,
no trem-monstro de 5 locomotivas
– trem maior do mundo, tomem nota –
foge minha serra vai,
deixando no meu corpo a paisagem
mísero pó de ferro, e este não passa.