UMA ARTE DIFÍCIL
Era uma técnica precisa e delicada. Alguns diriam até que era uma arte. Envolvia vários procedimentos. Posicionamento estratégico, sensibilidade apurada e timing perfeito eram absolutamente necessários. Tudo tinha que ser executado com cautela e de forma aparentemente displicente, o que não é tão fácil quanto parece. Mas o resultado, quando obtido, era causa de uma enorme alegria.
Foi assim. O tempo passou. O amor dele ao Flamengo não diminuiu. E o Maracanã continuava a ser para ele o templo de uma religião pagã. Tinha visto muitos deuses jogarem: Doval, Leandro, Junior, Andrade, Adílio, Zico… Só havia um jeito de ser feliz no domingo: tomar o bom e velho 438, vermelhão e ir sacolejando até o estádio. Só que muitos dos seus amigos, companheiros de arquibancada, pararam de ir ou escassearam suas idas aos jogos. De repente, o inusitado começou a ocorrer. A emoção chamada Flamengo era a mesma, mas na hora do gol, ele se sentia órfão de pai, mãe e tia rabugenta. Gol sem ninguém para abraçar, parecia gol contra.
Resolveu tomar suas providências. Acostumado à cultura torcedora, quase que institivamente bolou um plano. Chegar bem cedo. Subir lentamente a arquibancada, levando rádio e jornal, afinal a infra-estrutura é necessária. Procurar um grupo simpático, de preferência que tenha pai e filho e não um grupo somente de jovens. Mesmo com o estádio ainda vazio, sentar bem perto, de preferência do degrau abaixo. Como se estivesse ali somente por ser um dos melhores lugares do estádio. Ficar uns cinco minutinhos escutando discretamente a conversa, enquanto se folheia o jornal. Depois fazer algum comentário ou pergunta, do tipo:
– Vocês acham que o outro time vai vir todo retrancado?
– Será que o fulano que estava machucado já se recuperou? Acho que ele dá mais firmeza à zaga.
Se não funcionava, apelava pro rádio: o Apolinho tá dizendo que o problema do time é o meio de campo…
Podem até não acreditar em mim, mas na imensa maioria das vezes dava certíssimo. As duas horas que faltavam pro jogo começar passavam bem mais rápido. Eu ouvia opiniões diferentes, sempre aprendia alguma coisa.
Sem falar no principal.
Quando o Flamengo fazia um gol era só correr pro abraço…