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De volta aos 17

DE VOLTA AOS 17

Rezava a lenda que a mãe da namorada havia ganho um computador dos filhos mas não sabia usá-lo. Não sabia nem mesmo passar da tela inicial, era uma espécie de muro eletrônico intransponível. Ela era uma senhorinha muito educada e simpática, empertigada e muito elegante no verdor dos seus setenta e poucos anos. Professor que sou, me ofereci para ensiná-la na casa da namorada, que me mimava com carinhos, café e meu biscoito preferido.

Eu nunca havia dado aula particular na vida, muito menos de Informática, da qual sei muito pouco. Expliquei isso logo de partida, que iria ensinar somente algumas operações básicas. Tudo bem, ela disse, era o que queria. Agora eu tinha um problema em mãos, por onde começar? Depois de ensinar a ela a passar da primeira tela e a colocar uma senha, havia que iniciar a aula de alguma maneira e eu sabia que os primeiros momentos eram decisivos para convencê-la de que era capaz e de que o computador podia ser algo bom.

Decidi começar… pelo prazer. Pedi a ela que me contasse de alguma música que houvesse sido importante para ela. Ela ficou alguns momentos pensando. De repente seus olhos se incendiaram de alegria, desabrochando num sorriso maravilhoso. E me contou a história. Quando ela tinha 17 anos, ainda em sua terra natal, foi a um baile. Lá havia um pretendente. Por sorte, quando ela adentrou a sala, estava tocando uma música linda que ela amava de paixão, à época cantada por Dalva de Oliveira e depois belamente regravada por Caetano:

“Kalú, Kalú,

Tira o verde desses ói de riba deu”

O rapaz chegou perto dela e disse: “essa música é para você”. Ela jamais se esquecera daquele momento de encantamento e sempre que ouvia aquela música a sentia como sua.

É claro que começamos por ali. Apresentei a ela o Youtube e buscamos a canção em sua versão original. Ela ficou maravilhada. Era como se um pedaço do passado agora estivesse disponível na ponta dos dedos. Criamos uma conta para ela no Youtube e depois disso explorei um pouquinho mais o site naquela e em outras aulas, passando pequenos deveres como buscar uma música, adicioná-la à playlist etc.

Em seguida, perguntei a ela o que mais gostaria de fazer com o computador. Como um dos filhos e uma neta estavam em São Paulo, ela gostaria de aprender a enviar emails. Ajudei-a a enviar emails não só para o tal filho mas para toda a família, avisando que agora ela também sabia enviar mensagens e que esperava novidades de todos.

Um dos filhos havia copiado no computador dela uma montanha de fotos da família. Essa foi nossa nova tarefa: aprender a mexer com fotos, copiá-las, colocá-las em pastas, enviá-las por email. Ela adorou poder ver e rever netos, filhos e pessoas queridas.

Por fim, mas não menos importante, ensinei a ela como mexer no Word, pois ela queria preparar algumas aulas. Ela era evangélica e dava uma aula semanal comentando passagens bíblicas. Logo aprendeu a preparar o texto e o comentário que depois iria imprimir e distribuir aos seus alunos e alunas na Igreja.

Depois de algumas semanas eu achava que havia terminado quando ela revelou mais um desejo: preparar uma apresentação em Power Point, que ela via os mais novos fazerem e achava algo tão distante para ela quanto uma viagem à lua. Mostrei a ela que não, que uma vez dominando o Word e sabendo copiar e colar, tudo era possível. Foi assim que minha aluna preparou sua primeira apresentação em Power Point, o que a deixou muito orgulhosa e feliz:

– O pessoal da Igreja não vai acreditar, vão perguntar quem fez isso pra mim.

Minha felicidade não era menor. Estava muito feliz em ajudá-la a ter ainda mais conexão com sua família, com sua fé, com seus gostos musicais e outros.

Mas o que realmente me maravilhou foi aquele breve momento inicial em que ela voltou a ter 17 anos.