ONLY A PAWN IN THEIR GAME (1964)
Apenas três meses depois do lançamento do seu segundo álbum, lá estava o jovem franzino com seu violão e sua gaita na capital do país mais poderoso do planeta para cantar antes do discurso de Martin Luther King, o famoso discurso em que o pastor pregou o sonho da paz e da igualdade na América abrindo com o famoso “I have a dream”. Cerca de 250 mil pessoas, em sua maioria afro-americanos, ali estavam para exigir seus direitos civis, para exigir o fim da segregação. JFK, que era a favor do movimento, tinha medo de que a manifestação degenerasse em confusão e violência, o que não ocorreu. No ano seguinte, ele aprovaria as leis que poriam fim – ao menos legalmente – à discriminação racial.
Dylan não cantou as músicas do álbum recém-lançado e sim duas faixas do LP que sairia poucos meses depois, em janeiro de 1964: The times they are a-changin’. Homero dizia que aedos e adivinhos são os únicos que conseguem ver o passado e o futuro. Foi exatamente este o caso. No dia da Marcha, primeiramente ele cantou juntamente com Joan Baez a emocionante e positiva When the ship comes in, de sua autoria, uma música que anunciava, na verdade, a chegada do navio da revolução, da mudança, que derrotaria os inimigos como Davi havia feito com Golias. Detalhe importante, há quem diga que foi Baez que catapultou Dylan para o primeiro plano, pois quando se conheceram e começaram um namoro que duraria um ano, ela já era uma famosa cantora de música folk e de protesto.
Depois Dylan canta, desta vez sozinho, uma das músicas mais políticas daquele que viria a ser o seu álbum mais politizado: Only a Pawn in their game, um protesto pela morte do importantíssimo ativista negro Edgar Evers, que ainda na década de 50 questionara a segregação na Universidade do Mississipi, levando a Suprema Corte a decidir em seu favor, estabelecendo desta forma que a segregação racial era inconstitucional. Evers tornou-se o alvo de mais de um grupo supremacista branco e foi assassinado em 12 de junho de 1963, pouco mais de dois meses antes da Marcha sobre Washington. A genialidade de Dylan, no caso desta música, foi escrever como se estivesse conversando com o assassino branco, explicando como ele se tornou apenas um peão no jogo pesado do ódio racial:
“O político sulista prega para o homem branco pobre
‘Você tem mais do que os negros, não reclame
Você é melhor do que eles, você nasceu com pele branca”, eles explicam
E o nome do negro
é usado, fica claro,
em favor do político
enquanto ele alcança a fama
e o branco pobre continua
no vagão de carga
Mas ele não é o culpado
Ele é apenas um peão no jogo deles.”
E Dylan continua, lembrando que o ódio e a ideia de uma supremacia branca eram ensinados desde à escola, à época segregada. O branco pobre aprendia a enforcar, a linchar, a matar sem remorso:
“como um cão numa coleira
ele não tem nome
Mas ele não é o culpado
Ele é apenas um peão no jogo deles.”
Por fim, lembra que Medgar Evers recebeu o funeral de um rei, mas que quando a sombra do entardecer cair sobre aquele que disparou a arma, na sua lápide de pedra estará escrito somente um epitáfio simples:
“Somente um peão no jogo deles”
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Took Medgar Evers’ blood
A finger fired the trigger to his name
A handle hid out in the dark
A hand set the spark
Two eyes took the aim
Behind a man’s brain
But he can’t be blamed
He’s only a pawn in their game
“You got more than the blacks, don’t complain
You’re better than them, you been born with white skin, ” they explain
And the Negro’s name
Is used, it is plain
For the politician’s gain
As he rises to fame
And the poor white remains
On the caboose of the train
But it ain’t him to blame
He’s only a pawn in their game
And the marshals and cops get the same
But the poor white man’s used in the hands of them all like a tool
He’s taught in his school
From the start by the rule
That the laws are with him
To protect his white skin
To keep up his hate
So he never thinks straight
‘Bout the shape that he’s in
But it ain’t him to blame
He’s only a pawn in their game
And the hoofbeats pound in his brain
And he’s taught how to walk in a pack
Shoot in the back
With his fist in a clinch
To hang and to lynch
To hide ‘neath the hood
To kill with no pain
Like a dog on a chain
He ain’t got no name
But it ain’t him to blame
He’s only a pawn in their game
They lowered him down as a king
But when the shadowy sun sets on the one
That fired the gun
He’ll see by his grave
On the stone that remains
Carved next to his name
His epitaph plain
Only a pawn in their game