DYLAN – TALKIN’ NEW YORK (1962)
Ao fugir de casa na pequena Duluth, em Minnesota, cansado de ter que cobrar prestações atrasadas dos clientes da loja de móveis do pai, Robert Allen Zimmerman não podia saber que iria mudar a cara do rock para sempre. Mas mesmo antes de desembarcar em 1961 atrás do seu ídolo Woody Guthrie, o maior ícone da música folk da época, Dylan, ou melhor, Robert, já havia mostrado seus dotes artísticos. Ainda criança escrevia poemas e formou conjuntos com os colegas bem cedo.
Quando ele cai na estrada, muda seu nome para Bob Dylan, em homenagem ao poeta irlandês Dylan Thomas. Bob dizia a todos que seu nariz adunco era por conta de seus ancestrais sioux. O fato é que chegou em Nova York munido apenas de violão, gaita e um talento incomensurável que logo foi notado. Chega em janeiro e em abril faz a abertura do show de John Lee Hooker, lenda do blues. Em setembro ano o New York Times faz sua primeira matéria com o garoto de 20 anos. Em novembro ele já estava gravando seu primeiro LP pela Columbia.
Ainda não é uma obra totalmente própria e o próprio Dylan admitiu isso, dizendo que havia apenas algumas histórias suas no álbum, mas na verdade ele se apropriou e deu um estilo característico mesmo às músicas mais tradicionais que incluiu:
“Eu tinha que pegar essas músicas e torná-las minhas de alguma forma. Era a música folk tradicional tocada de um jeito rockeiro, que foi o primeiro tipo de música que toquei”
De início, Bob Dylan era mais cantor do que compositor. Das dez músicas deste primeiro álbum, que saiu em 1962, apenas duas são de sua autoria: “Talkin’New York” e a “Song to Woody”. A primeira é totalmente autobiográfica e é mais falada que cantada, daí o “Talkin’ New York”, que poderia ser traduzido como falando sobre Nova York. Trata de um músico vagando pela cidade e que depois de ser rejeitado como cantor caipira (hillbilly) finalmente consegue um trabalho para tocar gaita “Blowin’ my lungs out for a dollar a day” (arrebentando os meus pulmões a um dólar por dia). Até que ele consegue um trabalho melhor, pagando mais, o que permite a ele se unir ao sindicato e pagar sua contribuição sindical. Este verso está de acordo com o restante do LP, em que ele canta a vida e os problemas da classe trabalhadora. Nesta mesma música, por exemplo, Dylan fala que há quem te roube com uma caneta, acrescentando:
Uma porção de pessoas não têm comida na mesa
Mas eles têm uma porção de garfos e facas
E precisam cortar alguma coisa.
A música termina com uma escapada: o músico ajusta o boné na cabeça em um dia de sol e vai para os “céus do oeste” (western skies). Crônica, condições de trabalho, exortação à organização da classe trabalhadora, convite à revolta diante da injustiça social e por fim uma fuga poética.
Nada mau para uma primeira música. Ironicamente, é a segunda música do LP, pois a primeira, uma composição de Jesse Fuller, é uma típica música folk de um homem reclamando de uma mulher a quem ele deu tudo – sapatos, comida – e que agora se comporta como um diabo saindo da cova de um leão. Apesar disso ele a ama, fazer o que?
Nestas duas primeiras músicas já temos os dois elementos principais da obra de Dylan: a corrente do protesto e do comentário social de um lado, e a veia lírica, sobretudo em torno dos encontros e desencontros do amor.