O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA Desaparecimento de Luisa Porto Pede-se a quem souber do paradeiro de Luísa Porto avise sua residência À Rua Santos Óleos, 48. Previna urgente solitária mãe enferma entrevada há longos…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Onde…
ONDE HÁ POUCO FALÁVAMOS É um antigo piano, foi de alguma avó, morta em outro século. E ele toca e ele chora e ele canta sozinho, mas recusa raivoso filtrar o mínimo acorde, se o…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Indicações
Indicações Talvez uma sensibilidade maior ao frio, desejo de voltar mais cedo para casa. Certa demora em abrir o pacote de livros esperado, que trouxe o correio. Indecisão: irei ao cinema? Dos três empregos de…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Cidade…
CIDADE PREVISTA Guardei-me para a epopeia que jamais escreverei. Poetas de Minas Gerais e bardos do Alto Araguaia, vagos cantores tupis, recolhei meu pobre acervo, alongai meu sentimento. O que eu escrevi não conta. O…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Notícias
NOTÍCIAS Entre mim e os mortos há o mar e os telegramas. Há anos que nenhum navio parte nem chega. Mas sempre os telegramas frios, duros, sem conforto. Na praia, e sem poder sair.…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – No…
NO PAÍS DOS ANDRADES No país dos Andrades, onde o chão é forrado pelo cobertor vermelho de meu pai, indago um objeto desaparecido há trinta anos, que não sei se furtaram, mas só acho formigas.…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Idade…
IDADE MADURA As lições da infância desaprendidas na idade madura. Já não quero palavras, nem delas careço. Tenho todos os elementos Ao alcance do braço. Todas as frutas e consentimentos. Nenhum desejo débil. Nem mesmo…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Versos…
VERSOS À BOCA DA NOITE Sinto que o tempo sobre mim abate sua mão pesada. Rugas, dentes, calva. Uma aceitação maior de tudo, e o medo de novas descobertas. Escreverei sonetos de madureza? Darei aos…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Rua…
RUA DA MADRUGADA A chuva pingando desenterrou meu pai. Nunca o imaginara assim sepultado ao peso dos bondes em rua de asfalto, Palmeiras gigantes balouçando na praia e uma voz de sono a alisar-me o…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Como…
COMO UM PRESENTE Teu aniversário, no escuro, não se comemora. Escusa de levar-te esta gravata. Já não tens roupa, nem precisas. Numa toalha no espaço há o jantar, mas teu jantar é silêncio, tua fome…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Interpretação…
INTERPRETAÇÃO DE DEZEMBRO É talvez o menino suspenso na memória. Duas velas acesas no fundo do quarto. E o rosto judaico Na estampa, talvez. O cheiro do fogão vário a cada panela. São pés caminhando…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Retrato…
RETRATO DE FAMÍLIA Este retrato de família está um tanto empoeirado. Já não se vê no rosto do pai quanto dinheiro ele ganhou. Nas mãos dos tios não se percebem as viagens que ambos…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Consolo…
CONSOLO NA PRAIA Vamos, não chores... A infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Morte…
MORTE DO LEITEIRO Há pouco leite no país, é preciso entregá-lo cedo. Há muita sede no país, é preciso entregá-lo cedo. Há no país uma legenda, que ladrão se mata com tiro. Então o moço…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – O…
Fabrico um elefante de meus poucos recursos. Um tanto de madeira tirado a velhos móveis talvez lhe dê apoio. E o encho de algodão, de paina, de doçura. A cola vai fixar suas orelhas pensas.…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Caso…
CASO DO VESTIDO Nossa mãe, o que é aquele vestido, naquele prego? Minhas filhas, é o vestido de uma dona que passou. Passou quando, nossa mãe? Era nossa conhecida? Minhas filhas, boca presa. Vosso pai…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Resíduo
RESÍDUO De tudo ficou um pouco. Do meu medo. Do teu asco. Dos gritos gagos. Da rosa ficou um pouco. Ficou um pouco de luz captada no chapéu. Nos olhos do rufião de ternura…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – O…
O MITO Sequer conheço Fulana Vejo Fulana tão curto Fulana jamais me vê Mas como eu amo Fulana Amarei mesmo Fulana? Ou é ilusão de sexo? Talvez a linha do busto Da perna, talvez o…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Edifício…
EDIFÍCIO SÃO BORJA Cólica premonitória caminho do suicídio fome de gaia ciência São Borja Esqueléticos desajustados brigando com a vida nus surgindo à noite em fragmentos São Borja Ritmo de poeta mais forte…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Anúncio…
ANÚNCIO DA ROSA Imenso trabalho nos custa a flor. Por menos de oito contos vendê-la? Nunca. Primavera não há mais doce, rosa tão meiga onde abrirá? Não, cavalheiros, sede permeáveis. Uma só pétala resume…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Assalto
ASSALTO No quarto de hotel a mala se abre: o tempo dá-se em fragmentos. Aqui habitei mas traças conspiram uma idade de homem cheia de vertentes. Roupas mudam tanto. Éramos cinco ou seis…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Movimento…
MOVIMENTO DA ESPADA Estamos quites, irmão vingador. Desceu a espada e cortou o braço. Cá está ele, molhado em rubro. Dói o ombro, mas sobre o ombro tua justiça resplandece. Já podes sorrir, tua…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – EQUÍVOCO
EQUÍVOCO Na noite sem lua perdi o chapéu. O chapéu era branco e dele passarinhos saíam para a glória, transportando-me ao céu. A neblina gelou-me até os nervos e as tias. Fiquei na praça…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Economia…
ECONOMIA DOS MARES TERRESTRES A queixa comprimida na garrafa quer escapar reunir os povos dizer a Matilde que lhe perdoa organizar a vida dos índios, a queixa no vácuo lembra uma queixa menor. Dir-se-ia, na…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Nova…
NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO A Josué Montello Um sabiá na palmeira, longe. Estas aves cantam um outro canto. O céu cintila sobre flores úmidas. Vozes na mata, e o maior amor. Só, na…
O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – EPISÓDIO
EPISÓDIO Manhã cedo passa à minha porta um boi. De onde vem ele se não há fazendas? Vem cheirando o tempo entre noite e rosa. Para à minha porta sua lenta máquina. Alheio…