O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA
PRIVILÉGIO DO MAR
Nesse terraço mediocremente confortável,
bebemos cerveja e olhamos o mar.
Sabemos que nada nos acontecerá.
O edifício é sólido e o mundo também.
Sabemos que cada edifício abriga mil corpos
labutando em mil compartimentos iguais.
Às vezes, alguns se inserem fatigados no elevador
e vêm cá em cima respirar a brisa do oceano,
o que é privilégio dos edifícios.
O mundo é mesmo de cimento armado.
Certamente, se houvesse um cruzador louco,
fundeado na baía em frente à cidade,
a vida seria incerta… improvável…
Mas nas águas tranquilas só há marinheiros fiéis.
Como a esquadra é cordial!
Podemos beber honradamente nossa cerveja.
Carlos Drummond de Andrade. Nova reunião: 23 livros de poesia – Volume 1. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2010. 3.ed.