/Antonio CANDIDO – função social da obra independe da vontade ou da consciência dos autores e consumidores de literatura – o ex. de Memórias póstumas de Brás Cubas

Antonio CANDIDO – função social da obra independe da vontade ou da consciência dos autores e consumidores de literatura – o ex. de Memórias póstumas de Brás Cubas

“Considerada em si, a função social independe da vontade ou da consciência dos autores e consumidores de literatura. Decorre da própria natureza da obra, da sua inserção no universo de valores culturais e do seu caráter de expressão, coroada pela comunicação. Mas quase sempre, tanto os artistas quanto o público estabelecem certos desígnios conscientes, que passam a formar uma das camadas de significado da obra. O artista quer atingir determinado fim; o auditor ou leitor deseja que ele lhe mostre determinado aspecto da realidade. Todo este lado voluntário da criação e da recepção da obra concorre para uma função específica, menos importante que as outras duas e frequentemente englobada nelas, e que se poderia chamar de função ideológica – tomado o termo no sentido amplo de um desígnio consciente, que pode ser formulado como ideia, mas que muitas vezes é uma ilusão do autor, desmentida pela estrutura objetiva do que escreveu. Ela se refere a um sistema definido de ideias. O autor dirá, por exemplo, que tencionou mostrar como a vida é enganadora e como a virtude é uma questão de aparência – coisas que poderíamos imaginar Machado de Assis falando das Memórias póstumas de Brás Cubas. Do seu lado, o público dirá se a obra lhe mostrou ou não essa concepção. Neste caso, a obra pode ser dita interessada, no sentido próprio, e não sectário, embora geralmente a função ideológica se torne mais clara nos casos de objetivo político, religioso ou filosófico. Esta função é importante para o destino da obra e para a sua apreciação crítica, mas de modo algum é o âmago do seu significado, como costuma parecer à observação desprevenida.”

Antonio Candido, “A literatura e a vida social” In: Literatura e Sociedade. São Paulo: T.A. Queiroz; Publifolha, 2000. pp. 41-42.