Liszt e o caso do programa trocado: “mesmo quando pensamos ser nós mesmos, somos público, pertencemos a uma massa cujas reações obedecem a condicionantes do momento e do meio.”
“Em 1837 Liszt deu em Paris um concerto, onde se anunciava uma peça de Beethoven e outra de Pixis, obscuro compositor já então considerado de qualidade ínfima. Por inadvertência, o programa trocou os nomes, atribuindo a um a obra de outro, de tal modo que a assistência, composta de gente musicalmente culta e refinada, cobriu de aplausos calorosos a de Pixis, que aparecia como de Beethoven, e manifestou fastio desprezivo em relação a esta, chegando muitos a se retirarem. Este fato verídico ilustra com mais eloquência do que qualquer exposição o que pretendo sugerir, isto é, que mesmo quando pensamos ser nós mesmos, somos público, pertencemos a uma massa cujas reações obedecem a condicionantes do momento e do meio.”
Antonio Candido, “A literatura e a vida social” In: Literatura e Sociedade. São Paulo: T.A. Queiroz; Publifolha, 2000.