“Eram os gregos macumbeiros?” – Marcos Alvito
Artigo a ser publicado em março de 2003 em livro organizado por Rafael dos Santos
Eram os gregos macumbeiros ?
Marcos Alvito (UFF)
Para o amigo Valter Filé, baiano, logo, filósofo.
Ao retornar à universidade, todavia, pude perceber que havia ainda um pouco mais do que um mero cálculo do lucro simbólico na nem sempre surda condenação que me era votada. Quando da primeira reunião a que assisti depois do meu retorno à universidade, um colega a quem até hoje considero um amigo leal fez em alto e bom som o seguinte comentário:“Marcos Alvito agora é especialista em balas perdidas”. A anedota revelava o que muitos pensavam: a favela não era um tema digno do doutorado. A partir deste episódio (e de outros, que me abstenho de narrar para não cansar o leitor), aprendi que o estigma que pesava sobre o grupo que eu estudara agora estava associado também à pessoa do pesquisador. Uma pergunta que me era feita repetidamente motivou este artigo. Indagavam-me se eu havia mesmo abandonado a História Antiga. A formulação escondia duas coisas: de primeiro uma sugestão de retorno à minha antiga especialidade, considerando a favela como um desvio momentâneo. Por outro lado, revelava uma premissa: a de que estudar a favela era deixar de lado, era esquecer e inutilizar todos os conhecimentos auferidos acerca da História Antiga e dos gregos em particular. Acontece que a chave mesma para a compreensão do comportamento dos moradores de Acari foi-me fornecida por um conceito que eu antes já aplicara ao estudo da Grécia Clássica, o de sociedades da honra e da vergonha (ALVITO,1996).Descobri, por exemplo, que as mulheres casadas da favela são submetidas a um controle de movimentação que faz lembrar – guardadas as devidas diferenças – as atenienses encerradas no gineceu. Sendo assim, eu não entendia como os meus interlocutores podiam pensar que eu tivesse feito algo semelhante a trocar a Física Nuclear pela Botânica. E olhe que estamos (será ?) em um tempo em que a interdisciplinaridade é elogiada.Em vão eu lembrava o velho adágio do poeta romano: “Nada do que é humano me é estranho”…