Algumas características da etnografia
22 “Na etnografia, o autor é, ao mesmo tempo, o seu próprio cronista e historiador; suas fontes de informação são, indubitavelmente, bastante
23 acessíveis, mas também extremamente enganosas e complexas, não estão incorporadas a documentos materiais fixos, mas sim ao comportamento e memória de seres humanos. Na etnografia, é frequentemente imensa a distância entre a apresentação final dos resultados da pesquisa e o material bruto da informações coletadas pelo pesquisador através de suas próprias observações, das asserções dos nativos, do caleidoscópio da vida tribal.
Os 3 princípios metodológicos básicos da etnografia:
24 i. “possuir objetivos genuinamente científicos e conhecer os valores e critérios
da etnografia moderna”
ii. “assegurar boas condições de trabalho, o que significa, basicamente, viver mesmo entre os nativos, sem depender de outros brancos”
iii. “aplicar certos métodos especiais de coleta, manipulação e registro da evidência”
Quando os nativos se acostumam com o etnógrafo:
25 “Com o passar do tempo, acostumados a ver-me constantemente, dia após dia, os nativos deixaram de sentir curiosidade ou alarma em relação à minha pessoa nem se sentiam tolhidos com minha presença – deixei de representar um elemento perturbador na vida tribal que devia estudar, alterando-a com minha aproximação, como sempre acontece com um estranho em qualquer comunidade selvagem.”
26 “Se algo dramático ou importante ocorre, é imprescindível que o investiguemos imediatamente, no momento em que acontece, pois então os nativos naturalmente não podiam de deixar de comentar o acontecido, estando demasiado excitados para ser reticentes e demasiado interessados para ter preguiça mental de relatar os detalhes do incidente.”
28 Sendo o código tribal seguido inconscientemente pelos nativos, não adianta perguntar-lhes diretamente e sim:
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“coletar dados concretos sobre todos os fatos observados e através disso formular as inferências gerais”
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questioná-los indiretamente, colocando questões acerca da “solução que dariam a determinados problemas” (…) “uma pergunta direta, do tipo “Como são tratados e punidos os criminosos é inútil – e, além de tudo, impraticável, pois que não existem na linguagem nativa, ou mesmo no inglês pidgin, palavras adequadas com que expressá-la. Mas um incidente imaginário – ou, melhor ainda, uma ocorrência real, estimula o nativo a expressar sua opinião e a fornecer muitas informações”
OBS: FOOT-WHYTE fala coisa algo semelhante (embora o motivo aqui seja a desconfiança que uma pergunta direta pode causar em certos ambientes), aquilo que eu chamei de “método da alusão”
34 “devemos apresentar também os detalhes e o tom do comportamento, e não exclusivamente o simples esboço dos acontecimentos.”
Obs: Em Baloma ele vai dar exemplos acerca disso, de um comportamento jocoso durante um ritual importante.
35 Há fatos que só nos impressionam no começo, depois deixamos de vê-los, por isso, recomenda que sejam logo anotados; há outros que, pelo contrário, só são percebidos depois que conhecemos algo das “condições locais”;
35 O valor do diário etnográfico:
“se, paralelamente ao registro de fatos normais e típicos, fizermos também o registro dos fatos que representam ligeiros ou acentuados desvios da norma, estaremos perfeitamente habilitados a determinar os dois extremos da escala da normalidade.”
35 Recomenda, por vezes, a participação pessoal direta na vida nativa, o que ele chama de “mergulhos na vida nativa”, os quais “me deram a impressão de permitir uma compreensão mais
36 fácil e transparente do comportamento nativo e de sua maneira de ser em todos os tipos de transações sociais.”
37 Resumo geral, nas próprias palavras do autor :
“Nossas considerações indicam que os objetivos da pesquisa de campo etnográfica podem, pois, ser alcançados através de três diferentes caminhos:
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A organização da tribo e a autonomia da sua cultura devem ser delineadas de modo claro e preciso. O método de documentação concreta e estatística fornece os meios com que podemos obtê-las.
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Este quadro precisa ser completado pelos fatos imponderáveis da vida real, bem como pelos tipos de comportamento, coletados através de observações detalhadas e minuciosas que só são possíveis através do contato íntimo com a vida nativa e que devem ser registradas nalgum tipo de diário etnográfico.
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O corpus inscriptionum – uma coleção de asserções, narrativas típicas, palavras características, elementos folclóricos e fórmulas mágicas – deve ser apresentado como documento da mentalidade nativa.
Essas três abordagens conduzem ao objetivo final da pesquisa, que o etnógrafo jamais deve perder de vista. Em breves palavras, esse objetivo é o de apreender o ponto de vista dos nativos, seu relacionamento com a vida, sua visão de
38 mundo.”
Bibliografia: MALINOWSKI,Bronislau. Os argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1976.