“Davi Kopenawa ajuda-nos a por no devido lugar as famosas ‘ideias fora do lugar’, porque o seu é um discurso sobre o lugar, e porque seu enunciador sabe qual é, onde é, o que é o seu lugar. Hora, então, de nos confrontarmos com as ideias desse lugar que tomamos a ferro e a fogo dos indígenas, e declaramos ‘nosso’ sem o menor pudor; ideias que constituem,
16: antes de mais nada, uma teoria global do lugar, gerada localmente pelos povos indígenas, no sentido concreto e etimológico desta última palavra. Uma teoria sobre o que é estar em seu lugar, no mundo como casa, abrigo e ambiente, oikos, ou, para usarmos os conceitos yanomami, hutukara e urihi a: o mundo como floresta fecunda, transbordante de vida, a terra como um ser que ‘tem coração e respira’ (p. 468), não como um depósito de ‘recursos escassos’ ocultos nas profundezas de um subsolo tóxico – massas minerais que foram depositadas no inframundo pelo demiurgo para serem deixadas lá, pois são como as fundações, os sustentáculos do céu -; mas o mundo também como aquela outra terra, aquele ‘suprassolo’ celeste que sustenta as numerosas moradas transparentes dos espíritos, e não como esse ‘céu de ninguém’, esse sertão cósmico que os Brancos sonham – incuráveis que são – em conquistar e colonizar.”
“O recado da mata”, Prefácio de Eduardo Viveiros de Castro
Davi Kopenawa e Bruce Albert. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. pp. 15-16.