/O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Os ombros suportam o mundo

O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA – Os ombros suportam o mundo

O DRUMMOND NOSSO DE CADA DIA

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

 

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.

 

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo,

prefiririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem

A vida apenas, sem mistificação.