/PIXINGUINHA E O “LUGAR DO NEGRO”

PIXINGUINHA E O “LUGAR DO NEGRO”

Pixinguinha e o “lugar do negro”

Natureza e data do texto:

Passagem de uma entrevista de Pixinguinha (1897-1973) ao antropólogo João Baptista Borges Pereira, citada por LOPES,Gustavo, Samba e Mercado de Bens Culturais (Rio de Janeiro, 1910-1940). Dissertação de Mestrado em História. Niterói,2001. Mimeo. Pp.43-44.

Naquele tempo não havia clubes dançantes. Os bailes eram feitos em casa de família. Em casa de preto a festa era na base do choro e do samba. Numa festa de preto havia o baile mais civilizado na sala de visitas, o samba nas salas dos fundos e a batucada no terreiro. Era lá que se formavam e se ensaiavam os ranchos. A maioria dos sambistas e dos chorões era de cor. Branco quase não havia. Comecei minha carreira de músico aos 15 anos, ganhando 8 mil réis por mês. Tocava nas ‘casas de chope’, que eram as boites de antigamente. As ‘casas de chope’ funcionavam das 20 às 24 horas. Vez por outra tocava como profissional, em festas dançantes. Depois de 1920, formamos um conjunto – Os Oito Batutas – com companheiros de festas e de serenatas. Com este conjunto começamos a ser aceitos em festas familiares de gente elegante, porque o Arnaldo Guinle, o Lineu de Paula Machado e o Floresta Miranda abriam com seu prestígio o caminho para nós. Depois o Guinle arrumou uma viagem do conjunto para a França. Após o sucesso na Europa a nossa música começou a ser aceita e começamos a receber convites para trabalhar. No Rio, logo que chegamos, o Dr. Roquette Pinto nos convidou para audições na Rádio. Isto foi em 1924 mais ou menos. A que seria a Rádio Sociedade estava funcionando provisoriamente num pavilhão. Acho que fomos os primeiros pretos a entrar para a rádio tocando música popular. Havia lá uma cantora mulata mas ela cantava música fina. Depois fomos para São Paulo. Fizemos uma temporada lá em um café elegante, que chegou a parar o trânsito. Depois vieram os cinemas mudos. Cinema de luxo tinha duas orquestras: uma ao pé da tela, para acompanhar o roteiro do filme; outra na sala de visitas para entreter os freqüentadores. Negro não era aceito na segunda orquestra. Lembro-me que os únicos pretos que tocavam no Cinema Palais era um tal de Mesquita (violonista) e um tio dele (violoncelista). Ambos haviam estudado na Europa, tinham chegado de lá com fama e só tocavam música erudita. Nós começamos a tocar nesse Cinema porque começamos a ser exigidos pelo público freqüentador. Depois surgiu a propaganda, o rádio se firmou, a nossa música ganhava cada vez mais prestígio e eu fui subindo com ela. A partir de 1925, também as minhas composições começaram a ser gravadas. As gravadoras foram ficando mais comerciais e estavam preocupadas em explorar o gosto do público. Mas o negro não era aceito com facilidade. Havia muita resistência. Eu nunca fui barrado por causa da cor, porque eu nunca abusei. Sabia onde não recebiam pretos. Onde recebiam eu ia, onde não recebiam, não ia. Nós sabíamos desses locais proibidos porque um contava para o outro. O Guinle muitas vezes me convidava para ir a um ou outro lugar. Eu sabia que o convite era por delicadeza e sabia que ele esperava que eu não aceitasse. E assim por delicadeza também não aceitava. Quando era convidado para tocar em tais lugares, eu tocava e saía. Não abusava do convite.”