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Quatro tiros no futuro da nação

QUATRO TIROS NO FUTURO DA NAÇÃO

Norbert Elias era tão curioso, tão ávido por conhecer o que estava acontecendo em sua Alemanha, que foi a um comício de Hitler, correndo um risco imenso de vida. Muitos anos mais tarde, já consagrado no mundo inteiro, com mais de 70 anos, foi lecionar na África para novamente conhecer melhor rituais e costumes de um continente para ele desconhecido. Ao longo da sua vida teve contato direto com a violência: lutou na Primeira Guerra, viu seus pais serem mortos em campos de concentração, teve que fugir do seu país, viveu a Segunda Guerra Mundial.

Talvez por isso, tenha dedicado quase toda a sua vida a pensar a violência. Não enquanto manifestação episódica, mas como resultado de processos históricos de longa duração. Sua obra maior, O processo civilizador, identificava uma caminhada secular da sociedade ocidental no sentido da pacificação. O ponto de partida do processo teria sido a concentração do poder militar nas mãos do soberano e o desarmamento dos nobres. Outro passo importante, ocorrido primeiro na Inglaterra, foi a “parlamentarização”, a partir da qual os dois partidos em disputa passaram a aceitar a entrega pacífica do poder ao adversário depois que eram derrotados nas eleições.

Aceitar a disputa no campo das ideias, respeitar o adversário, compreender o revezamento natural dos partidos no poder, abster-se de violência contra os adversários, são condições inescapáveis para que o processo civilizador avance. Todavia, como o próprio Elias alertava, usando o exemplo alemão, pode haver retrocessos civilizacionais, em que a violência volta a ser o meio de resolver as disputas.

Acho que é nessa direção nefasta e assustadora que o Brasil tem caminhado. Os quatro tiros na caravana do ex-presidente Lula atestam isso de forma cabal e inegável. Não interessa a minha, a tua opinião sobre Lula e o PT. É preciso perceber que estes quatro tiros atingem a todos nós, a nossos filhos, a nossos amigos, a todos os brasileiros.

Foram quatro tiros que ainda não mataram, mas feriram gravemente a possibilidade de um projeto de nação. Os tiros visavam o ex-presidente, mas ferem o Brasil enquanto nação.

Revidar os tiros com mais violência é fazer o jogo de quem se recusa a debater ideias e prefere que tudo acabe em batalha campal. Ademais, nesse jogo o lado de lá é especialista.

Quando instado a falar sobre sua trajetória pessoal, Norbert Elias dizia que havia vivido como um famoso cavaleiro das lendas germânicas, que atravessa a cavalo um lago com uma fina camada de gelo prestes a se romper.

No nosso caso, o gelo, que sempre foi muito fino, já se quebrou. Agora é ter o máximo cuidado para não sermos engolidos por um lago de violência e sangue.