“Enquanto eu mergulhava nos arquivos, percorrendo dossiê por dossiê, carta por carta (há cinquenta mil delas na coleção de Neuchâtel), era permanentemente atingido pela impressão de que a vida se projetava da obscuridade, adquiria caracteres distintivos e pessoais, revelava-se enquanto escrevia, imprimia ou traficava com livros. É sensação incomum a de abrir um dossiê de cinquenta ou cem cartas que ninguém mais leu desde o século XVIII. Terão vindo de Paris, da mansarda em que um jovem escrevinha com a imaginação suspensa entre o Parnaso e as ameaças de despejo formuladas pela senhoria? Narrarão as agruras de um fabricante de papel de longínqua aldeia montanhesa a renegar o clima, que estraga a consistência do material logo na hora de dar-lhe acabamento, e praguejando contra os trapeiros, que não vêm trazer-lhe papel velho nas datas combinadas?”
DARNTON,Robert. Boêmia literária e revolução: o submundo das letras no Antigo Regime. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.