“Também na prosa há um quê de falsete. A entonação das primeiras linhas é empertigada: Algum tempo hesitei, Suposto o uso vulgar, adotar diferente método. Mesma coisa para as habilidades retóricas do morto, que por assim dizer estão em grifo, na sintaxe engomada e sobretudo nas construções antitéticas: princípio e fim, nascimento e morte, vulgar e diferente, campa e berço etc. A intenção de mostrar superioridade é patente, ainda que inseparável da situação narrativa risível. Assim, prestígio e desprestígio estão juntos na empostação da linguagem, convivência que é de todos os momentos, e atrás da qual triunfa o narrador, que brilha sempre duas vezes, uma quando assinala os próprios méritos retóricos, outra quando ri de seu caráter desfrutável. É certo que discurso e ambiguidades no caso são do defunto, a quem caracterizam como indivíduo, se é possível dizer assim; o seu alcance entretanto não se esgota aí, já que a eloquência está toda ela arranjada para significar prerrogativa social, dando dimensão e travo de classe à escrita.”
SCHWARZ,Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2000. p.20.