“com A queda do céu mudam-se o nível e os termos do diálogo pobre, esporádico e fortemente desigual entre os povos indígenas e a maioria não-indígena de nosso país, aquela composta pelo que Davi chama de ‘Brancos’ (napë). ** Nele aprendemos algo de
p.13: essencial sobre o estatuto ontológico e ‘antropológico’ dessa maioria – são espectros canibais que esqueceram suas origens e sua cultura -, onde ela vive – em altas e cintilantes casas de pedra amontoadas sobre um chão nu e estéril, em uma terra fria e chuvosa sob um céu em chamas -, e com o que ela sonha, assombrada por um desejo sem limites – sonha com suas mercadorias venenosas e suas vãs palavras traçadas em peles de papel.”
** O termo yanomami napë, originalmente utilizado para definir a condição relacional e mutável de ‘inimigo’, passou a ter como referente prototípico os ‘Brancos’, isto é, os membros (de qualquer cor) daquelas sociedades nacionais que destruíram a autonomia política e a suficiência econômica do povo nativo de referência. O Outro, sem mais, o inimigo por excelência e por essência, é o Branco. (pp. 12-13)
“O recado da mata”, Prefácio de Eduardo Viveiros de Castro
Davi Kopenawa e Bruce Albert. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. pp. 12-13.