Abismar-se, continuação – 5
“5. Não será o abismo um aniquilamento oportuno? Não me seria difícil ler nele não um repouso, mas uma emoção. Disfarço meu luto sob uma fuga; me diluo, desmaio para escapar a esta compacidade, a essa obstrução, que me torna um sujeito responsável: saio: é o êxtase.
Rua do Cherche-Midi, depois de uma noite difícil, X… me explicava claramente, com voz precisa, frases formadas, sem qualquer incoerência, que às vezes tinha vontade de desmaiar; lamentava não poder nunca desaparecer quando tivesse vontade. Suas palavras diziam que ele assumia sucumbir a sua fraqueza, não resistir às feridas que o mundo lhe faz; mas ao mesmo tempo, substituía a essa força enfraquecedora, uma outra força, uma outra afirmação: assumo ao contrário de tudo e contra tudo uma recusa de coragem, uma recusa portanto de moral: é o que dizia a voz de X…”
Roland Barthes. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.