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BARTHES – Fotogenia eleitoral

FOTOGENIA ELEITORAL

“Certos candidatos a deputados ilustram com um retrato os seus prospectos eleitorais. É atribuir à fotografia um poder de conversão que importa analisar. Em primeiro lugar, a efígie do candidato estabelece uma relação pessoal entre ele os seus eleitores; o candidato não submete a julgamento apenas um programa, mas propõe um clima físico, um conjunto de escolhas cotidianas expressas numa morfologia, numa maneira de vestir, numa pose.”

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“Na medida em que a fotografia é uma elipse da linguagem e uma condensação de todo um inefável social, ela constitui uma arma anti-intelectual, com tendência a escamotear a ‘política’ (quer dizer, um corpo de problemas e soluções) em benefício de uma ‘maneira de ser’, de um estatuto sócio moral.”

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“A fotografia eleitoral é assim, antes de mais, o reconhecimento de uma profundidade, de um irracional extensivo à política. O que se transmite através da fotografia do candidato não são seus projetos, mas os seus móbeis, todas as circunstâncias familiares, mentais e mesmo eróticas, todo esse estilo de ser de que ele é ao mesmo tempo, o produto, o exemplo e a isca.”

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“Naturalmente, o uso da fotografia eleitoral supõe uma cumplicidade: a fotografia é um espelho, ela dá a ler o familiar, o conhecido, ela propõe ao eleitor a sua própria efígie, clarificada, enaltecida, elevada soberbamente ao estado de tipo. É esta sobrevalorização, aliás, que define de forma muito exata a fotogenia: o eleitor é ao mesmo tempo expresso e promovido a herói, é convidado a eleger-se a si mesmo, a investir o mandato que vai conceder de uma verdadeira transferência física: ele delega a sua ‘raça’.”

 

BARTHES,Roland. “Fotogenia eleitoral” In: Mitologias. Lisboa: Edições 70, 1984. pp. 149-151.