O sistema mítico-ritual consagra a ordem estabelecida:
“Esses esquemas de pensamento, de aplicação universal, registram como que diferenças de natureza, inscritas na objetividade, das variações e dos traços distintivos (por exemplo em matéria corporal) que eles contribuem para fazer existir, ao mesmo tempo que as ‘naturalizam’, inscrevendo-as em um sistema de diferenças, todas igualmente naturais em aparência; de modo que as previsões que elas engendram são incessantemente confirmadas pelo curso do mundo, sobretudo por todos os ciclos biológicos e cósmicos. Assim, não vemos como poderia emergir na consciência a relação social de dominação que está em sua base e que, por uma inversão completa de causas e efeitos, surge como uma aplicação entre outras, de um sistema de relações de sentido totalmente independente das relações de força. O sistema mítico-ritual desempenha aqui um papel equivalente ao que incumbe ao campo jurídico nas sociedades diferenciadas: na medida em que os princípios de visão e divisão que ele propõe estão ajustados às divisões pré-existentes, ele consagra a ordem estabelecida, trazendo-a à existência conhecida e reconhecida, oficial.”
Pierre Bourdieu. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.