“Mas, e na rua? Bem, aqui passamos sempre por indivíduos anônimos e desgarrados, somos quase sempre maltratados pelas chamadas ‘autoridades’ e não temos nem paz, nem voz. Somos rigorosamente ‘subcidadãos’, e não será exagerado observar que, por causa disso, nosso comportamento na rua e nas coisas públicas que ela necessariamente encerra é igualmente negativo. Jogamos o lixo em nossas calçada pelas portas e janelas; não obedecemos às regras de trânsito, somos até capazes de depredar a coisa comum, utilizando aquele célebre e não analisado argumento segundo o qual tudo que fica fora de nossa casa é um ‘problema do governo’! Na rua a vergonha da desordem não é mais nossa, mas do Estado. Limpamos ritualmente a casa e sujamos a rua sem cerimônia ou pejo…”
Roberto DaMatta. A Casa e a Rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. pp. 22-23.