LEITURAS DE ANTROPOLOGIA # 001
MITO E SIGNIFICADO, Claude Lévi-Strauss
Como no famoso poema de Drummond, quem pretende estudar teoria antropológica tem que levar em conta a existência, não de uma pedra, mas de um Lévi-Strauss no meio do caminho. Afinal, como contornar um autor que repensou, até de forma iconoclasta para alguns, os problemas centrais da antropologia: sistemas de parentesco, totemismo, natureza e cultura, mitologia e, por fim, a “ossatura do espírito” humano. A “ossatura do espírito humano”? Sim, a própria. Mas o que seria isso?
Comecemos com uma imagem. Se os grandes teóricos das Ciências Sociais fossem encarados como surfistas do pensamento, Lévi-Strauss seria um surfista de ondas grandes. Afinal, ele vai atrás, literalmente, das leis de funcionamento do espírito humano, válidas para todas as épocas, para todas as culturas e, obviamente, para todos os homens e mulheres que existem, já existiram ou virão a existir. Há de se convir que é uma onda e tanto. Mas como é que ele chega nela? Afinal, os big riders só conseguem surfar as maiores ondas do planeta sendo rebocados até lá de jet-ski. Lévi-Strauss também fez sua viagem até tentar surfar a onda maior.
O jet-ski de Lévi-Strauss foi a linguística estrutural do russo Roman Jakobson, mestre sempre reverenciado por ele. Se conheceram nos Estados Unidos, onde Lévi-Strauss, judeu, havia se refugiado para escapar do horror nazista. Ele bem que tentou voltar ao Brasil, mas as coisas por aqui estavam estranhas (devido à aproximação com a Alemanha e a Itália) a ponto do embaixador brasileiro recusar-se a carimbar o passaporte do antigo professor da Universidade de São Paulo. Quando ele já se “sentia a meio caminho do campo de concentração” é convidado para pesquisar e lecionar na New School for Social Research, em Nova York. Ali os dois se encontraram e se tornaram grandes amigos e parceiros intelectuais, um assistindo às aulas do outro.
Jakobson não estudava línguas, estudava os mecanismos universais de funcionamento das línguas. O ponto chave consistia no fato de que todas as línguas, na sua aparente diversidade, são na verdade constituídas por pares de oposições, algo próximo da linguagem binária dos computadores. As línguas constroem-se a partir da oposição entre os seus elementos constitutivos, como os fonemas, por exemplo. Nesse sentido, todas as línguas nada mais são do que combinações de pares binários. A maneira como esses pares se combinam em uma determinada língua é o que pode-se chamar de a “estrutura” da língua, algo como a sua arquitetura, a maneira como está construída. Toda a língua é um sistema, ou seja, um conjunto de elementos articulados de forma solidária entre si. Alterando-se a posição de um elemento todo o conjunto de relações e, portanto, todo o sistema é alterado.
Lévi-Strauss não costuma facilitar a vida do leitor ou leitora. Por isso Mito e Significado é tão importante. É um pequeno livro, de menos de 100 páginas, resultado de cinco palestras radiofônicas feitas à Rádio Nacional do Canadá. Em linguagem bem mais acessível do que a habitual, ele explica a diferença entre mito e ciência, resumindo a tese do livro O Pensamento Selvagem. Também fala das relações entre mito e história e das homologias entre mito e música, de que ele tratou na introdução das Mitológicas. Por fim, no que talvez seja o mais precioso, dá um exemplo bem didático da análise estrutural de um mito no capítulo III: Lábios rachados e gêmeos: a análise de um mito.
Não dá para tirar a pedra do meio do caminho. Mas a leitura de Mito e Significado ajuda a pensar porque ela está ali.