/LEITURAS DE ANTROPOLOGIA # 003 – “Capitão James Cook; ou o Deus Agonizante” (1987) – Marshall Sahlins (1930-)

LEITURAS DE ANTROPOLOGIA # 003 – “Capitão James Cook; ou o Deus Agonizante” (1987) – Marshall Sahlins (1930-)

LEITURAS DE ANTROPOLOGIA # 003

“Capitão James Cook; ou o Deus Agonizante” (1987), Marshall Sahlins (1930-)

Uma historinha sobre o antropólogo norte-americano Marshall Sahlins: convidado a fazer um discurso durante uma reunião importante de antropólogos realizada em Oxford, ele sai com a seguinte pérola:

“Pelo menos no que concerne à antropologia, duas coisas são certas, a longo prazo: uma delas é que estaremos todos mortos; mas a outra é que estaremos todos errados.”

E ainda arrematou:

“Evidentemente, uma carreira acadêmica feliz é aquela em que a primeira coisa acontece antes da segunda.”

Por essas e outras, gosto de brincar, chamando Sahlins de velho hippie. Afinal, ele participou ativamente dos protestos contra a Guerra do Vietnã e depois foi para Paris, a tempo ainda de se engajar em maio de 1968. Em Paris Sahlins abandonou o neoevolucionismo de cunho materialista e numa grande reviralvolta teórica abraçou o estruturalismo a partir das aulas com Lévi-Strauss. Fez a maior parte do seu trabalho de campo e dos seus estudos em Fiji e no Havaí, lugares de praia… Hoje em dia é um dos maiores defensores da validade do conceito de cultura, diante de muita contestação.

A principal polêmica em que esteve envolvido diz respeito à sua interpretação acerca da chegada e da morte do Capitão Cook no Havaí, que ele analisou em mais de um livro mas sobretudo em Ilhas de História. O capítulo 4 deste livro “Capitão James Cook ou o Deus Agonizante”, argumenta que Cook é recebido como um deus nas ilhas do Havaí por ter sido associado a Lono, uma divindade ligada à reprodução humana e ao incremento natural. A chegada de Cook praticamente coincide com a chegada de Lono no calendário religioso havaiano. Acontece que Lono também deveria morrer em determinado momento, para depois renascer no ano seguinte, dando início ao Ano Novo. Cook, mesmo sem saber, vai embora na hora certa, mas retorna quando o mastro de um dos seus navios quebra. Aí começa uma crise cosmológica, ritual e política que vai redundar no assassinato de Lono, quer dizer, de Cook, por centenas de nativos (ver ilustração). Sahlins explora com minúcia os mal entendidos provenientes do encontro e interrelação de duas culturas muito diferentes: a inglesa e a havaiana. E até arrisca a dizer quem foi que apunhalou Cook e o matou a partir da análise do quadro de John Webber, A morte do Capitão Cook (ilustração).

A questão mais importante deste artigo e de todo o livro é tentar superar a dicotomia entre estrutura e evento, de certa forma entre antropologia e história. A idéia central é que a história é orquestrada pela lógica cultural, mas ao mesmo tempo a cultura muda a partir da sua aplicação a um novo contexto histórico. Por exemplo: as mulheres do povo tomaram os marinheiros por filhos do Deus Lono e se entregaram a eles de forma ritual, pensando em colher a semente divina, enquanto os marinheiros as tomaram por prostitutas e lhes deram presentes que antes estavam reservados aos chefes, perturbando toda a hierarquia social havaiana bem como as relações de gênero. No momento em que a estrutura estava se reproduzindo ela estava também se modificando.

A leitura é agradável porque os conceitos teóricos estão exemplificados em exemplos concretos e porque Sahlins, como bom hippie, não perde a chance de fazer uma brincadeira. Imperdível.