/LEITURAS DE ANTROPOLOGIA # 005 – A RELIGIÃO COMO SISTEMA CULTURAL – Clifford Geertz (1926-2006)

LEITURAS DE ANTROPOLOGIA # 005 – A RELIGIÃO COMO SISTEMA CULTURAL – Clifford Geertz (1926-2006)

LEITURAS DE ANTROPOLOGIA # 005

A RELIGIÃO COMO SISTEMA CULTURAL, Clifford Geertz (1926-2006)

Clifford Geertz cresceu numa área rural da Califórnia, onde foi criado por uma senhora mais velha a partir dos três anos depois que seus pais se separaram e o enviaram para lá. Alista-se na Marinha aos 17 anos em meio à Segunda Guerra “para ver o que estava acontecendo no resto do mundo”. Depois de um teste de Q.I. é designado para ser técnico em eletrônica. Na prática, passa dois anos consertando radares. Graças a uma lei que permitia aos veteranos de guerra cursarem a universidade, vai para o Antioch College (Ohio) pensando em se tornar escritor. A despeito de ser no interior, a Faculdade era bastante progressista. Acaba mudando sua graduação principal (Major) para Filosofia e ali conhece Hildred, com quem se casará e com quem fará trabalho de campo. Eles recebem uma bolsa para fazer pós-graduação em Harvard onde estava se formando um programa para o estudo de países em desenvolvimento. Clifford e Hillary vão para a Indonésia.

O resto é história, ou melhor, antropologia. A partir da publicação de seu livro The interpretation of cultures (1973), Geertz propõe um novo modelo antropológico baseado na chamada “descrição densa” e que tem sido chamado de antropologia interpretativa ou antropologia hermenêutica. A ênfase está na compreensão de uma cultura e não na explicação. O objetivo inalcançável seria conseguir ver uma cultura com os olhos de um nativo. De qualquer forma, mesmo se ficamos no meio do caminho, para Geertz somos capazes de compreender e de nos relacionar de uma forma mais harmoniosa com outras culturas.

O historiador Robert Darnton, que dividiu um curso com Geertz por mais de duas décadas, afirmou que em sala de aula as ideias de Geertz quicavam nas paredes em todas as direções, iluminando os temas de forma imprevisível. Diz que Geertz contagiava os alunos com seu entusiasmo e os estimulava a terem manifestações originais. Depois da aula iam tomar cerveja e Geertz, segundo Darnton, tinha ideias sobre tudo: jazz, relações internacionais, corridas de cavalos, carros, matemática, baseball, James Joyce etc.

“A religião como sistema cultural” é um dos artigos do livro. Não é tão famoso quanto o artigo sobre a briga de galos que fecha o livro, mas para mim é tão importante quanto. Ele começa arriscando uma explicação para a existência da religião. Segundo ele, a religião vai ser a resposta a um tríplice desafio. Para começar, o desafio da perplexidade diante de falta de explicações. Depois, o desafio do sofrimento, da dor insuportável (perda de um ente querido, por exemplo). E por fim, o que ele chama de “paradoxo ético obstinado”, ou seja, quando a injustiça reina sem dar sinais de que será revertida. Diante deste desafio tríplice somos acometidos de uma “grave ansiedade”, somos tomados por um sentimento de falta de sentido, de que seria impossível interpretar e entender o mundo.

A religião seria uma resposta a isso. Nem sempre ela fornece explicações. Mas ela sempre dá a certeza ao crente de que elas existem. E como a religião é capaz de formular um sistema tão coerente e fechado, capaz de literalmente fornecer ao crente uma nova visão de mundo? Como ela se fortalece na consciência de seus fiéis? Fundamentalmente, já que aqui temos pouco espaço, a religião opera através de um sistema de símbolos. Todo símbolo tem uma dupla face: “modelo de” e “modelo para”. O “modelo de” é a faceta descritiva do símbolo. Tomando a cruz católica, por exemplo, ela é um símbolo que enquanto “modelo de” relembra a paixão de Cristo, sua morte para salvar os homens. A cruz enquanto “modelo para” reside na capacidade simbólica que ela tem de propor um determinado comportamento, no caso, um comportamento definido como cristão, como de alguém que acredita em Cristo. Que respeite os mandamentos, por exemplo.

É importante perceber que a religião não promete acabar com a perplexidade, a dor ou o sentimento de injustiça e sim fornece uma maneira de lidar com eles, de torná-los suportáveis, pois que deixam de ser irracionais e inexplicáveis. Aqui desempenham um papel fundamental os rituais religiosos, em que os símbolos são manipulados e seu significado é reforçado. São essenciais para que o crente ganhe, no dizer de Santayanna “um novo mundo em que viver”.

Permitam-me ir um pouco além do artigo. Um dos paradoxos do mundo contemporâneo é que à medida em que a ciência e a tecnologia avançam, nossas sociedades se tornam cada vez mais complexas e a capacidade que temos de compreendê-las diminui. Ou seja, aumentam a incerteza, a ansiedade e o medo. O que leva as pessoas a buscarem respostas, a buscarem alguma segurança existencial. É aí que entra a religião…