“Podem, essas cartas, vir de qualquer lugar. E revelar qualquer coisa. Geralmente nos apanham de surpresa. Quando nos convencemos de que o autor está a pique de abocanhar um dote, eis que o expulsam da cidade por uma lettre de cachet. Quando um engradado de livros está chegando ao porto em que o esperam, ei-lo surrupiado pelos corsários. Nosso homem de negócios se revela um trapaceiro; nosso filósofo se transforma em espião da polícia. A humanidade muda de feição ante nossos olhos, enquanto presenciamos o desenrolar das especulações dos livreiros e os rangidos e sacolejos de carroças, abarrotadas de livros, que atravessam o continente. O mundo acionado pela imprensa tem sua própria comédie humaine, tão rica e complexa que não caberia entre as capas de um só livro. Tentei, por isso, esboçar seus compartimentos mais interessantes, adiando para obra posterior um estudo sistemático.”
DARNTON,Robert. Boêmia literária e revolução: o submundo das letras no Antigo Regime. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. pp. 9-10.