“A propósito das dificuldades próprias à leitura de Baudelaire, Walter Benjamin observa que se trata de uma poesia que absolutamente não envelheceu. Não porque fosse jovem, mas porque as circunstâncias que ela cala e frente às quais compôs a sua voz e personagem continuam de pé, fazendo que As flores do mal não sejam menos virulentas e difíceis hoje que no seu momento de origem. Havia passado quase um século – as notas de Benjamin são de 1938 – e não se estabelecera o sossego da distância histórica. Espero convencer o leitor de que algo semelhante vale para Machado de Assis. A ousadia de sua forma literária, onde lucidez social, insolência e despistamento vão de par, define-se nos termos drásticos da dominação de classe no Brasil: por estratagema artístico, o Autor adota a respeito uma posição insustentável, que entretanto é de aceitação comum. Ora, a despeito de toda a mudança havida, uma parte substancial daqueles termos de dominação permanece em vigor cento e dez anos depois, com o sentimento de normalidade correlato, o que talvez explique a obnubilação coletiva dos leitores, que o romance machadiano, mais atual e oblíquo do que nunca, continua a derrotar.”
SCHWARZ,Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2000. pp. 11-12.