“A sátira até aqui é amena, pois o leitor concede facilmente que o uso pernóstico da cultura oficial e das aparências ilustradas (hesitações, suposições, considerações, método) seja engraçado. E ela é sem surpresa, pois a voz do além automaticamente põe paródia em tudo que diz. Na frase final do parágrafo, entretanto, rompendo com este humorismo em fim de contas morno, vem uma enormidade, dita de forma cortante: ‘Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco’. Ao distinguir entre a sua obra e a Bíblia num ponto preciso, como se fossem comparáveis no resto, Brás Cubas mostra que as sua disposição escarninha não vai ficar na literatice metafísica, em brincadeiras com a verossimilhança e as convenções literárias. O seu ânimo não hesita diante do ‘mau gosto’ incisivo, e só se completa na ofensa e na conspurcação.”
SCHWARZ,Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades; Editora 32, 2000. pp. 20-21.