“Duas razões fundamentaram a escolha deste tema como primeiro passo no mundo da descoberta do outro. Em primeiro lugar, a descoberta da América, ou melhor, a dos americanos, é sem dúvida o encontro mais surpreendente de nossa história. Na ‘descoberta’ dos outros continentes e dos outros homens não existe, realmente, este sentimento radical de estranheza. Os europeus nunca ignoraram totalmente a existência da África, ou da Índia, ou da China, sua lembrança esteve sempre presente, desde as origens. A Lua é mais longe do que a América, é verdade, mas hoje sabemos que aí não há encontro, e que esta descoberta não guarda surpresas da mesma espécie. (…) No início do século XVI, os índios da América estão ali, bem presentes, mas deles nada se sabe, ainda que, como é de se esperar, sejam projetadas sobre os seres recentemente descobertos imagens e ideias relacionadas a outras populações distantes (cf. fig. 1). O encontro nunca mais atingirá tal intensidade, se é que esta é a palavra adequada. O século XVI veria perpetrar-se o maior genocídio da história da humanidade.”
Tzvetan Todorov. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1983. pp.4-5.