/LEITURAS DE SOCIOLOGIA # 001 – Parte 1 – Norbert Elias – BIOGRAFIA

LEITURAS DE SOCIOLOGIA # 001 – Parte 1 – Norbert Elias – BIOGRAFIA

LEITURAS DE SOCIOLOGIA # 001 – Parte 1

Norbert Elias – BIOGRAFIA

“Atravessei minha vida feito o cavaleiro do Lago de Constanz, sem temer que o gelo cedesse.”

Norbert ELIAS

Filho único de Hermann e Sophie Elias, Norbert Elias nasceu em Breslau em 1897. À época Breslau fazia parte da Alemanha (hoje pertence à Polônia – pertencia à Polônia na Idade Média). Breslau era uma rica cidade com 500 mil habitantes, com uma antiga universidade jesuíta, bastante tradição e uma vida cultural movimentada (concertos, por exemplo). O anti-semitismo existia mas era moderado, os judeus de Breslau sentiam-se seguros. Seu pai era empresário do ramo têxtil, dono de uma manufatura com cerca de 30 empregados que trabalhavam com poucas máquinas. Era judeu, assim como a mãe de Elias. Ambos irão morrer durante a 2a. Guerra Mundial por conta da perseguição nazista. Hermann Elias é morto em Breslau em 1940 e a mãe de Norbert Elias no ano seguinte, provavelmente em Auschwitz.
Norbert era um menino frágil, que pegava todo o tipo de doença, mas aos seis ou sete anos já era um leitor voraz, mergulhando em todo o tipo de leitura. Em entrevista concedida em 1984, afirmou:

“Soube muito cedo o que queria fazer: queria ir para a universidade, queria ensinar e pesquisar. Soube isso desde minha primeira infância, e trabalhei tenazmente para atingir esse objetivo, mesmo que às vezes me parecesse impossível. (…) ou eu triunfava, ou desaparecia. Não tinha certeza absoluta, naturalmente, mas não duvidava nem um pouco de que minha obra um dia seria reconhecida como contribuição de qualidade ao saber da humanidade.” (ELIAS,2001:22)

Só que a vida não costuma ser em linha reta e em 1915, aos 18 anos Norbert é convocado e parte para a sua primeira Grande Guerra mundial. Como veremos, toda a vida de Norbert Elias será marcada por essa presença da violência: a 1a. G.M. onde vai como soldado, depois a violência das milícias na República de Weimar e por último a 2a. G.M. onde morrem seus pais e que vai obrigá-lo a exilar-se. Mas não avancemos muito. Embora estivesse totalmente imerso na cultura alemã (Goethe, Schiller e Kant eram seus modelos) o jovem Norbert não era absolutamente um patriota, na entrevista já referida ele descreve seus sentimentos a este respeito:

“No fundo, sou europeu. (…) nunca partilhei o ponto de vista segundo o qual só se pode ou se deve identificar-se com um único país.” (Idem: 83)

Em suma, como ele explicou depois, “dirigia-me para a morte porque era obrigado” (Idem: 28). “Eles o mandavam para o interior ao seu bel-prazer e lhe diziam: faça isso, faça aquilo, e fazia-se porque não havia escolha.” (Idem:30). E lá foi Norbert, alistado em uma unidade de transmissão, onde aprendeu a instalar linhas telefônicas, escalar postes telegráficos com ganchos de aço e até o código morse. Primeiramente é enviado para a Rússia, onde fica seis meses e depois enfrenta uma longa viagem de trem até o norte da França. Quase setenta anos depois (na entrevista de 1984), ela ainda se lembrava das “massas de cavalos mortos. E de cadáveres humanos” (Idem:32), bem como dos incessantes clarões de luz, do fogo de artilharia, do colega que tocava gaita e das canções sentimentais que dialogavam com a morte (Ibidem). Ele considera que sua experiência na guerra (bem como nos negócios, vide ELIAS,2001:42) tenha reforçado seu “senso de realidade”.

Quando termina a guerra, retorna a Breslau, e três anos depois da sua mobilização Norbert inicia seus estudos de medicina (um sonho de seu pai, que só tinha o 2o. Grau) e de filosofia. Em em 1923, com 26 anos, defende sua tese de filosofia, mas nesse momento vive uma situação difícil: a renda dos seus pais, proveniente de aluguéis fixos, havia se deteriorado devido à hiper-inflação ocorrida na Alemanha da época e o jovem Norbert tem que trabalhar para sustentar a família. É contratado por um industrial fabricante de tubos que queria contratar um universitário. Na fábrica onde trabalhou dois anos, Norbert fez de tudo, pois seu patrão o obrigou a passar por todos os serviços, desde a contabilidade até o trabalho nas máquinas. Deve ter sido um dos poucos filósofos a ter trabalhado em uma ferraria. Diz ter aprendido muito sobre o capitalismo e sobre as classes trabalhadoras, além de ter se divertido muito.

A situação financeira dos pais se estabiliza e ele volta à universidade: vai para Heidelberg e começa a estudar sociologia com Karl Manheim. Em 1930, com 33 anos, torna-se assistente de Manheim na universidade de Frankfurt. A vida parecia ter entrado novamente nos trilhos, mas isso dura pouco tempo. Três anos depois os nazistas sobem ao poder. Elias, inclusive, vai “disfarçado” (e correndo enorme risco de vida) escutar um discurso de Hitler (por quem tem que esperar duas horas) em Frankfurt no final de 1932. Nas palavras dele:

“Era realmente um orador fora de série. Uma coisa me ficou particularmente na lembrança: o momento em que ele deu sua benção às crianças, no final. Eu nunca vivera algo similar antes ! Ele fez as crianças se aproximarem, colocou-lhes as mãos sobre a testa e lhes falou. E a massa ficava loucamente entusiasmada.” (Idem:55)

Dois anos depois dessa aventura, em 1934 Norbert Elias tem que abandonar sua promissora carreira universitária para salvar a vida. Tenta encontrar, em vão, um posto universitário na Suiça e depois parte para a França. Lá continua sem “sorte” e a despeito do seu enorme amor pela cultura francesa, não é bem recebido e tem que abrir uma oficina de fabricação de brinquedos com os amigos. O “empreendimento” não dá certo e Norbert Elias chega a passar fome.

Em 1935 embarca para a Inglaterra, antes passando pela Alemanha, onde não consegue convencer seu pai a refugiar-se no exterior. Elias irá morar durante 40 anos (1935-1975) – com algumas interrupções – na Inglaterra. Ao chegar, recebe uma bolsa de um comitê de refugiados judeus, o que lhe permitirá escrever os dois volumes da sua obra mais conhecida, O Processo Civilizador, concluída em 1939 (lançada, portanto, durante a guerra, o que diminuiu a sua possibilidade de divulgação).

Depois da guerra, trabalha em um centro de educação para adultos e somente em 1954, com 57 anos, é que vai conseguir seu primeiro posto acadêmico estável, a cadeira de Sociologia na Universidade de Leicester. Lá, teve que criar o departamento de Sociologia praticamente do zero e do ponto de vista da comunidade acadêmica, inexistia:

“Permaneci [à época em que trabalhava em Leicester] portanto um personagem de terceira categoria. Deveria acrescentar que suportava isso sem conseqüências graves ou traumatizantes (…) Nunca duvidei de mim mesmo – sempre acreditei ser capaz de fazer algo relativamente importante. Essa fé nunca foi abalada. (…) nunca fiz projetos em minha vida; atravessei-a como o cavaleiro do lago de Constanz, sem temer que o gelo cedesse. Eis a maneira como concebo a vida.” (Idem:76)

Entre 1962, aos 65 anos, por pura curiosidade intelectual (“sinto imensa curiosidade por tudo o que é desconhecido.” (Idem:77) ), aceita um cargo de professor de Sociologia na Universidade de Gana, na África e lá permanece dois anos. Ao retornar à Inglaterra, vê sua obra começar finalmente a ser reconhecida, sobretudo na Holanda e na Alemanha. Irá tornar-se mundialmente conhecido após a tradução francesa de O Processo Civilizador em 1973*, o que irá influenciar tremendamente a corrente da chamada “História das Mentalidades”.

A partir de 1975 (aos 78 anos) começa a trabalhar em Amsterdã, onde irá estabelecer-se definitivamente em 1984 e onde virá a falecer em 1990. Em 1984, com 87 anos, trabalhava 11 horas por dia. Na entrevista feita com ele nesse ano, Norbert Elias resumiu da seguinte forma seu objetivo principal:

“O que eu queria de fato era levantar o véu das mitologias que mascara nossa visão de sociedade, a fim de que as pessoas pudessem agir melhor e de maneira mais sensata.” (…) “eu pretendia desenvolver uma imagem da sociedade que não fosse ideológica. E consegui.” (Idem:45)

“nossa realidade tem aspectos terrivelmente desagradáveis – como, por exemplo, o fato de que a vida é completamente absurda. Mas é preciso encarar essas coisas de frente, pois essa é uma condição indispensável caso se pretenda dar um sentido à vida. E só os homens podem fazer isso uns pelos outros. Vista dessa maneira, a ilusão de um sentido preestabelecido é nociva.” (…) “Acho muito seriamente que vivemos numa verdadeira floresta de mitologias, e que nesse momento uma de nossas missões essenciais é nos livrarmos delas.” (Idem:49)

* Segundo Chartier, A História Cultural, p.98, nota 5, o primeiro volume (La Civilisation des Moeurs, foi traduzido e editado em francês em 73 e o 2º. volume (La Dynamique de l’Occident) em 1975; a tradução inglesa, revisada pelo próprio Elias e com notas do próprio, foi lançada em 1978; na Suiça, depois da primeira edição, houve uma reedição em 1969 com um importante prefácio do autor e uma edição alemã em 1978/79.

( publicaremos a 2a. parte, referente ao Processo Civilizador)