“Parece-me haver, nessa análise de Nietzche, uma dupla ruptura muito importante com a tradição da filosofia ocidental e cuja lição devemos conservar. A primeira é a ruptura entre o conhecimento e as coisas. O que, efetivamente, na filosofia ocidental assegurava que as coisas a conhecer e o próprio conhecimento estavam em relação de continuidade? O que assegurava ao conhecimento o poder de conhecer bem as coisas do mundo e de não ser indefinidamente erro, ilusão, arbitrariedade? O que garantia isto na filosofia ocidental, senão Deus? Deus, certamente, desde Descartes, para não ir mais além, e ainda mesmo em Kant, é esse princípio que assegurar haver uma harmonia entre o conhecimento e as coisas a conhecer. Para demonstrar que o conhecimento era um conhecimento fundado, em verdade, nas coisas do mundo, Descartes precisou afirmar a existência de Deus.”
FOUCAULT,Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: PUC, 1979. 4.ed. p.14.