“- Mas deixemos o senhor Nietzche: que nos importa que o senhor Nietzche tenha recuperado a saúde?… O psicólogo sabe pouco de questões mais atraentes que as relações existentes entre a saúde e a filosofia, e quando ele próprio adoece, dedica ao seu mal toda a sua curiosidade científica. Porque cada um de nós possui necessariamente a filosofia da sua pessoa – supondo que exista alguma -, mas os casos são muito diferentes, num caso são as faltas que vemos filosofar, no outro as riquezas e as forças. O primeiro precisa da sua filosofia, como apoio, sedativo, remédio, ou ainda para se libertar, para se construir, para se esquecer; no segundo não passa de um luxo, no melhor caso a volúpia de um reconhecimento triunfal que acaba por sentir a necessidade irresistível de se inscrever em maiúsculas cômicas no céu das ideias. Mas no outro caso, mais corrente, quando são as misérias que filosofam, como em todos os pensadores doentes – e são eles que formam talvez uma maioria da história da filosofia – em que é que se transforma o próprio pensamento sob a pressão da doença?”
NIETZCHE,Frederico. A Gaia Ciência. Lisboa: Guimarães & Cia, 1977.