“‘Gaia Ciência’: a expressão significa as saturnais de um espírito que resistiu pacientemente a uma demorada e terrível pressão, – pacientemente, severamente, friamente, sem abdicação mas sem esperança – e que se vê de repente assaltado pela esperança, pela esperança de sarar, pela embriaguês de sarar. Que haverá de surpreendente, em tais condições, em que traga para a luz do dia uma grande porção de delírios, de loucuras e que mesmo desperdice amiúde uma caprichosa ternura mesmo tocando em problemas eriçados de espinhos, pouco feitos para que o homem os atraia e acaricie? É que o livro em sua totalidade não é mais do que uma festa sucedendo a uma longa privação, a uma longa impotência; não é mais do que o júbilo das forças renascentes, de uma fé que acorda em amanhã, em depois de amanhã, não é mais do que repentino sentimento e pressentimento do futuro, de aventuras iminentes, de mares que se abrem, de novidades e de objetivos novamente permitidos, objetos de uma fé que se renova.”
NIETZCHE,Frederico. A Gaia Ciência. Lisboa: Guimarães & Cia, 1977.