POEMA DE HOJE
MÁRIO DE ANDRADE
COLLOQUE SENTIMENTAL
Tenho os pés chegados nos espinhos das calçadas…
Higienópolis! … As Babilônias dos meus desejos baixos…
Casas nobres de estilo… Enriqueceres em tragédias…
Mas a noite é toda um véu-de-noiva ao luar!
A preamar dos brilhos das mansões…
o jazz-band da cor… O arco-íris dos perfumes…
O clamor dos cofres abarrotados de vidas…
Ombros nus, ombros nus, lábios pesados de adultério…
E o rouge – cogumelo das podridões…
Exércitos de casacas eruditamente bem talhadas…
Sem crimes, sem roubos o carnaval dos títulos…
Si não fosse o talco adeus sacos de farinha!
Impiedosamente…
-Cavalheiro… -Sou conde! -Perdão.
Sabe que existe um Brás, um Bom Retiro?
-Apre, respiro… Pensei que era pedido.
Só conheço Paris!
-Venha comigo então.
Esqueça um pouco os braços da vizinha…
-Percebeu, hein! Dou-lhe gorjeta e cale-se.
O sultão tem dez mil… Mas eu sou conde!
-Vê? Estas paragens trevas de silêncio…
Nada de asas, nada de alegria… A Lua…
A rua toda nua… As casas sem luzes…
E a mirra dos martírios inconscientes…
-Deixe-me pôr o lenço no nariz.
Tenho todos os perfumes de Paris!
-Mas olhe, embaixo das portas, a escorrer…
-Para os esgotos! Para os esgotos!
-… a escorrer,
Um fio de lágrimas sem nome!…