/POEMA DE HOJE – Corpo de delito – Armando Freitas Filho

POEMA DE HOJE – Corpo de delito – Armando Freitas Filho

POEMA DE HOJE

ARMANDO FREITAS FILHO

CORPO DE DELITO

I

Escuta o rumor nas margens plácidas

feitas de lama, sangue e memória.

Escuta o brado retumbante

na garganta do túnel.

Por entre as grades do grito

o céu da liberdade viaja

e o sol, sem Pátria, se espalha

nesse instante, no cimento

 

Aqui, Senhor, tememos

o braço forte que sobre os seios

se abate, sem remorso

Aqui, no peito, os sussurros do coração

o muro de murros desabado

os urros na boca do corpo de entulho

e os erros da minha mão

que apalpa a própria morte.

 

Nesta cela que sonho nenhum

se escreve nas paredes

nesta sala de azulejos lívidos

um raio de dor sempre aceso

e vívido à terra desce.

O céu é o sol desta luz

em cada nervo

e em cada um de nós

um límpido incêndio resplandece.

 

Daqui escuto os passos dos gigantes

pisando, impávidos, a paisagem.

Escuto a marcha dos colossos

por cima dos ossos

por cima dos mapas de mar e grama

escuto as botas dos passos

nas poças do corredor

cada vez mais próximos

dos calcanhares nus do meu futuro.

 

II

Sentado na cadeira do dragão

largado no berço profundo do chão

sobre o som do mar e o céu fulgura

com o seu sol elétrico

que não cessa

o curto, o choque, o surto

em chamas do dia iluminado

nos porões iniciais de um Novo Mundo

 

As flores que aqui gorjeiam

garridas, em suas jaulas

se agarram na beira da vida

que cisma e insiste

e continua avançando

por entre vadias várzeas e charcos

e exclama e se espanta

como a primeira palmeira brusca

que busca o espaço

no bosque de fumaça do horizonte.

 

Onde está você, amor eterno

que não drapeja no vento

sua flâmula trêmula de estrelas?

Onde o verde-louro, o céu de anil e mel

o lábaro, a labareda de pano

que o látego rasga e marca?

Onde a glória do passado

se o presente é este furo

de bala na pele do futuro?

 

Mas se ergues, ainda sim

a clava forte do seu corpo

e não foge à luta

nem teme a própria morte

que avança armada até os dentes

verás os raios fúlgidos

do sol da liberdade no céu

e neste chão de terra que se ama!