POEMA DE HOJE
MANOEL DE BARROS
Teoricamente não é um poema, é “apenas” a apresentação do livro com sua poesia completa por parte de Manoel de Barros, uma espécie de autobiografia em prosa poética. Mas para mim é poesia pura sim, pois com ele até bom dia virava poesia:
ENTRADA
Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono quedava até para a gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com os sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim: o dia está frondoso em borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz. Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem. Perdoem-me os leitores desta entrada mas vou copiar de mim alguns desenhos verbais que fiz para este livro. Acho-os como os impossíveis verossímeis de nosso mestre Aristóteles. Dou quatro exemplos: 1) É nos loucos que grassam luarais; 2) Eu queria crescer para passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.