POEMA DE HOJE
Guardadas as devidas proporções, os heterônimos de Fernando Pessoa são que nem times de futebol, cada um torce pelo seu apaixonadamente. O meu é Ricardo Reis e ninguém tasca, ainda mais depois do magnífico romance de José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis. O poema de hoje é daqueles em que poesia rima com sabedoria:
Fernando Pessoa, Ficções do Interlúdio 2/3, Odes de Ricardo Reis
Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.
Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,
Mas a decorrê-la
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De natureza…
À beira-rio,
À beira-estrada,
conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo
O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos,
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir
Não vale a pena
Fazer um gesto,
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.
Colhamos flores,
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.
Girassóis sempre
fitando o sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido