/POEMA DE HOJE – HOLA, SPLEEN – Marília Garcia

POEMA DE HOJE – HOLA, SPLEEN – Marília Garcia

POEMA DE HOJE

Marília Garcia é tradutora e escritora.

HOLA, SPLEEN

Um dia

ela me disse

“hola, spleen”

e eu demorei mas depois

percebi que era uma

frase sobre o tempo.

talvez

um jeito de dar as boas vindas,

mas a gente nunca sabe

o que vem adiante.

 

um dia quis ler em voz alta

um poema chamado

“hola, spleen”,

mas quando chegou a hora

fiquei totalmente

sem voz.

se tivesse gravado

o poema antes, podia ligar a voz

e tocar em vez de ler,

mas eu não tinha uma voz gravada

e não havia como produzir voz.

 

então combinei com o tarso e com o heitor

que faria a leitura aqui na tapera

mas ainda faltava um mês para hoje

e eu não tinha ideia de como estaria neste dia

e pensei que se este mês

seguisse o ritmo acelerado

e catastrófico do último ano

tanta coisa já teria acontecido hoje,

que me dava medo imaginar.

assim,

esta voz que fala aqui

é a voz de uma marília de um mês atrás

é a minha voz falando a partir do passado,

é a minha voz,

mas sem controle.

 

há um mês eu não tinha

como prever nada

e fiquei me perguntando:

– como fazer para essas palavras escritas

há um mês dizerem algo

sobre estar aqui

agora?

e eu não soube responder.

então, fiquei me perguntando

se hoje estaria chovendo

ou fazendo sol,

e se haveria poeira no ar.

eu sempre me surpreendo

com a poeira que turva a vista:

de repente no meio do dia

uma poeira se ergue,

uma nuvem

de poeira,

pode ser a poeira vinda das coisas quebradas

todos os dias na vida das pessoas

e eu pensei que talvez a gente pudesse

fazer silêncio

e de repente neste silêncio

acontecer de ouvir algo por detrás

dos ruídos das máquinas que

cruzam o céu.

 

talvez não desse para ouvir nada neste dia,

foi o que pensei,

mas eu me enganei

porque hoje desde cedo

os helicópteros estão voando.

– vocês estão ouvindo?

o som está cada vez mais perto,

posso encostar a mão

se me viro vejo a sombra

em câmera lenta

sobre a cabeça.

 

imaginem que isso aqui é um quadrado

com drones volantes,

ou uma cena congelada

com o céu cheio de zepelins,

mas o som é um só:

barulho de máquinas

voadoras

pelo céu.

 

se a gente prestar atenção e fizer silêncio

pode ser que ouça

alguma mensagem

perdida no ar.