POEMA DE HOJE
VINICIUS DE MORAES
O SACRIFÍCIO DA AURORA
Um dia a Aurora chegou-se
Ao meu quarto de marfim
E com seu riso mais doce
Deitou-se junto de mim
Beijei-lhe a boca orvalhada
E a carne tímida e exangue
A carne não tinha sangue
A boca sabia a nada
Ao meu quarto de marfim
E com seu riso mais doce
Deitou-se junto de mim
Beijei-lhe a boca orvalhada
E a carne tímida e exangue
A carne não tinha sangue
A boca sabia a nada
Apaixonei-me da Aurora
No meu quarto de marfim
Todo o dia à mesma hora
Amava-a só para mim
Palavras que me dizia
Transfiguravam-se em neve
Era-lhe o peso tão leve
Era-lhe a pele tão macia.
No meu quarto de marfim
Todo o dia à mesma hora
Amava-a só para mim
Palavras que me dizia
Transfiguravam-se em neve
Era-lhe o peso tão leve
Era-lhe a pele tão macia.
Às vezes me adormecia
No meu quarto de marfim
Para acordar, outro dia
Com a aurora longe de mim
Meu desespero covarde
Levava-e dia afora
Andando em busca da Aurora
Sem ver Manhã, sem ver Tarde.
No meu quarto de marfim
Para acordar, outro dia
Com a aurora longe de mim
Meu desespero covarde
Levava-e dia afora
Andando em busca da Aurora
Sem ver Manhã, sem ver Tarde.
Hoje, ai de mim, de cansado
Há dias que até da vida
Durmo com a Noite, ausentado
Da minha Aurora esquecida…
É que apesar de sombria
Prefiro essa grande louca
À Aurora, que além de pouca
É fria, meu Deus, é fria!
Há dias que até da vida
Durmo com a Noite, ausentado
Da minha Aurora esquecida…
É que apesar de sombria
Prefiro essa grande louca
À Aurora, que além de pouca
É fria, meu Deus, é fria!