Bourdieu – definição de campo:
“A dissolução do religioso” In: Coisas Ditas. São Paulo,Brasiliense, 1990.
Definição de campo e o exemplo do campo religioso:
p.119 “um espaço – o que eu chamaria de campo – no interior do qual há uma luta pela imposição da definição do jogo e dos trunfos necessários para dominar nesse jogo. Colocar logo de saída o que está em jogo nesse jogo seria suprimir as questões que os participantes levantaram aqui porque elas realmente se colocam na realidade, no espaço dos médicos, dos psicanalis-
p.120 tas, dos assistentes sociais, etc. E levar a sério essas questões, em vez de considerá-las resolvidas, significa recusar as definições anteriores do jogo e do que está em jogo; significa, por exemplo, operar uma mudança absolutamente radical em relação a Max Weber, afirmando que o campo religioso é um espaço no qual agentes que é preciso definir (padre, profeta, feiticeiro, etc.) lutam pela imposição legítima não só do religioso, mas também das diferentes maneiras de desempenhar o papel religioso.
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todo campo religioso é o lugar de uma luta pela definição, isto é, a delimitação das competências, competência no sentido jurídico do termo, vale dizer, como delimitação de uma alçada.”
“O campo científico” In: Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo, Ática, 1983. Coleção Grandes Cientistas Sociais.
O exemplo do campo científico:
p.122 “O universo ‘puro’ da mais ‘pura’ ciência é um campo social como outro qualquer, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e estratégias, seus interesses e lucros, mas onde todas essas invariantes revestem formas específicas.
A luta pelo monopólio da competência científica
O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social; ou, se quisermos, o monopólio da competência científica, compreendida enquanto capacidade de
p.123 falar e agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado.”
“O campo intelectual: um mundo à parte” In: Coisas Ditas. São Paulo,Brasiliense, 1990.
O campo de produção cultural: semelhanças e especificidades em relação a outros campos
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“A noção de campo de produção cultural (que se especifica como campo artístico, campo literário, campo científico, etc) permite romper com as vagas referências ao mundo social (através de palavras como ‘contexto’, ‘meio’, ‘fundo social’, ‘social background‘) com que normalmente a história da arte se contenta. O campo de produção cultural é este mundo social absolutamente particular que a velha noção de república das letras evocava. Mas não se deve ficar limitado ao que não passa de uma imagem incômoda. E se é possível observar todos os tipos de homologias estruturais e funcionais entre o campo social como um todo ou o campo político, e o campo literário, que como eles têm seus domi-
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nantes e seus dominados, seus conservadores e sua vanguarda, suas lutas subversivas e seus mecanismos de reprodução, ainda é verdade que cada um desses fenômenos reveste-se de uma forma inteiramente específica dentro do campo literário. A homologia pode ser descrita como uma semelhança na diferença. Falar de homologia entre o campo político e o campo literário significa afirmar a existência de traços estruturalmente equivalentes – o que não quer dizer idênticos – em conjuntos diferentes. Relação complexa que vão se apressar em destruir os que têm o hábito de pensar em termos de tudo ou nada. De um certo ponto de vista, o campo literário (ou o científico) é um campo como os outros (contra todas as formas de hagiografia ou, simplesmente, contra a tendência de pensar que os universos sociais onde são produzidas essas realidades de exceção que são a arte, a literatura ou a ciência só podem ser totalmente diferentes, diferentes sob todos os aspectos): trata-se de uma questão de poder – o poder de publicar ou de recusar a publicação, por exemplo -, de capital – o do autor consagrado que pode ser parcialmente transferido para a conta de um jovem escritor ainda desconhecido, por meio de um comentário elogioso ou de um prefácio; – aqui como em outros lugares observam-se relações de força, estratégias, interesses etc. Mas não há um só traço designado por esses conceitos que não se revista no campo literário de uma forma específica, absolutamente irredutível. Por exemplo, se é verdade que o campo literário é, como todo campo, o lugar das relações de força que se impõem a todos que entram no campo – e que pesam com especial brutalidade sobre os novatos – revestem-se de uma forma especial: de fato, elas têm por princípio uma espécie muito particular de capital, que é simultaneamente o instrumento e o alvo das lutas de concorrência no interior do campo, a saber, o capital simbólico como capital de reconhecimento ou consagração, institucionalizada ou não, que os diferentes agentes e instituições conseguiram acumular no decorrer das lutas anteriores, ao preço de um trabalho e de estratégias específicas. Ainda seria preciso determinar a natureza desse reconhecimento, que não se mede nem pelo sucesso comercial
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– na verdade, seria o oposto deste -, nem pela simples consagração social – pertencer às academias, obter prêmios etc. – nem mesmo pela simples notoriedade, que, mal adquirida, pode levar ao descrédito.”